Bom dia,
Hoje é segunda-feira (06.07). Não surpreende ninguém que o exercício do poder exige mudanças de condutas de quem o exerce. Os políticos mais pragmáticos, e talvez cínicos, costumam dizer que uma coisa é o discurso de campanha e outra é o ato de governar. É uma visão de política que considera o eleitor uma presa fácil do discurso para conquistar voto, e compreensivo quando o candidato no qual ele acreditou, e sufragou nas urnas, abandona as promessas de campanha quando começa a governar. É duro acreditar que a democracia não exija dos vencedores o fiel compromisso com seus eleitores.
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido), depois de quase 30 anos de exercício parlamentar na Câmara Federal, elegeu-se com o discurso de que o Brasil não aguentava mais a prática do “toma lá, dá cá”, que marcou o relacionamento entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo que consiste na troca de votos e apoio parlamentar ao governo no Congresso Nacional, pelo recebimento de verbas federais e de indicações para o preenchimento de cargos em todos os escalões da administração federal. Tal prática, chamada no jargão de seus protagonistas de “presidencialismo de coalizão”, resultou em aparelhamento do Estado brasileiro, e por via de consequência, na corrupção endêmica dos últimos tempos.
Bolsonaro, que teve curta passagem pelo Exército, também incorporou o discurso de nacionalismo e de soberania, muito caro à maioria dos militares; e também a boa fatia do eleitorado cansada de ver os interesses do país negligenciados em favor dos interesses estrangeiros, especialmente em matéria de direitos humanos -especialmente na vertente indigenista-, e de meio ambiente. Bolsonaro sempre disse em campanha que a política estatal indigenista e de meio ambiente -com destaque para a Amazônia-, não poderia ser utilizada para frear o desenvolvimento do Brasil.
O atual presidente também encanou majoritariamente o eleitorado brasileiro com um discurso de defesa da família, dentro da visão judaico-cristã de respeito a um Deus, e a valores éticos/morais. Juntou por conta desse discurso católicos e evangélicos, disparadamente os dois grupos religiosos mais numerosos do país. Sabedor da importância do processo educacional para a manutenção desses valores e da família, Bolsonaro escolheu para ocupar o Ministério da Educação dois titulares, ambos conservadores de direita e vinculados a área mais ideológica das forças políticos/sociais que lhe apoia.
Após um ano e meio de governo, completado neste final de junho, o que se pode verificar de mudanças entre o discurso do candidato Jair Bolsonaro e a prática do atual presidente da República. Sem dúvida, o discurso de não se vergar ao que ele chamou de “velha política”, já foi deixado de lado. Pragmático, e temendo a reação das mesmas forças conservadoras que o ajudaram a eleger-se, sobretudo em eventual processo de impeachment que pode responder, o presidente caiu nos braços do chamado Centrão -conjunto de partidos conservadores que têm a maioria de votos, especialmente na Câmara dos Deputados-, Bolsonaro abriu negociação para que esses partidos indiquem titulares de órgãos federais, em Brasília e nos estados.
Pressionado pelo mesmo Centrão, e pelos ministros militares que ocupam quase todos os postos de influência no Palácio do Planalto, o presidente Bolsonaro decidiu indicar uma solução técnica/militar para o Ministério da Educação, depois da desastrosa passagem do economista Abraham Weintraub. Não deu certo com o militar da reserva da Marinha e economista Carlos Alberto Decotelli, considerado um técnico e sem disposição para discussões ideológicas. Agora, para definir o seu quarto ministro da Educação, Bolsonaro sofre pressão de todos os lados, mas parece decidido a esquecer a questão ideológica na escolha do nome do futuro auxiliar. Ele não parece mais com força política para fazer uma escolha pessoal.
Quanto às questões indigenistas e ambientais já surgem fortes rumores de que o presidente vai ter de mudar a titularidade do Ministério do Meio Ambiente. Ricardo Salles, o atual ministro enfrenta reações internas, e especialmente externas. Internamente, ele não conseguiu avançar sobre o aparelhamento dos órgãos federais ambientais e sua gestão está marcada pelo imobilismo devido a resistência das corporações às suas determinações. Do estrangeiro, vem as resistências mais fortes, inclusive com ameaças de grandes grupos econômicos suspenderem seus investimentos no Brasil, se Bolsonaro mantiver seu atual ministro. E se ele se vergar a essas pressões, será um adeus ao discurso de soberania que tanto encantou boa parte de seu eleitorado.
Enfim, o governo Bolsonaro parece se encontrar num momento decisivo. Se for excessivamente pragmático e ceder às pressões e às circunstâncias política corre o risco de perder boa parte do apoio popular que ainda lhe resta; e se resolver enfrentar tais pressões precisará conviver mais algum tempo com esta aparente crise de convivência com os demais poderes da República.