Opinião

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O HOMEM DO ESPELHO OVAL

Walber Aguiar*

Quem me dera ao menos uma vez que o mais simples fosse visto como o mais importante. (Renato Russo)

Ele vivia naquela casa simples com cadeiras na calçada, com cajueiros no quintal, abacateiros, manguitas, que sempre fazia questão de dar. Passeava quase levitando, na imanência dos dias, com os pés descalços no terreiro cheio de sombra, chicória, cupuaçu, cidreira e capim santo. A casa foi feita para ser o lar de Cazuza e dona Otília. Construída em cima de mirixis e batatas doces que pai-lá plantava, junto com bananeiras; tesouro doce, feito os ingás de dona Inês, bem ali do lado.

Tudo era muito simples, como simples era o homem menino que ali morava. Junto com Joaquim, durante algum tempo, com quem repartiu abrigo e boas palavras, com firmeza e sensibilidade. Um dia vovó partiu, e a casa do bairro de Aparecida ficou ainda maior, pois seu quarto, sempre imexivel, ficou enorme feito sua mala centenária, que testemunhou todos os atos e pessoas que por ali passaram.

Depois foi a vez de Joaquim. Ausente o pescador de peixes e de amizades, o espaço foi crescendo, crescendo, absorvendo a figura cheia de ética e grandeza que ali vivia. Um rapaz que amou poucas mulheres, que fez chorar Eneida e suspirar tantas outras almas femininas. Com uma delas teve um filho, Leonardo, único e intensamente amado, mesmo à distância. Leonardo, que estava com ele na hora final.

Antônio Carlos David. o tio Carlinhos, ou Cazuza, viveu como bem entendeu viver e se vestiu de enorme simplicidade. Pedalava sua monark vermelha, enquanto cruzava a rua Aruaque, na direção da “Folha de Boa Vista”, onde apanhava o jornal todos os dias, bem manhãzinha. Levava o periódico religiosamente até a casa da Coronel Mota, onde desfraldava poemas e palavras diante dos olhos atentos de seu Genésio e dona Maria. E fazia isso com orgulho. Aliás, tudo que ele realizava tinha muito de vontade e satisfação.

Cazuza desenhava muito bem e foi tenor no coral da Secretaria de Educação,com o maestro Dirson Costa e tantos outros. Seus traços viraram ideias, atitudes e a existencialização do que viria a ser. Passou a limpo o borrão da vida e sorriu diante da saudade e da dor. Colecionou amigose acumulou tesouros no céu, onde a traça não consome e a ferrugem não corrói. Por onde passava, acenava. No bar do Pará, onde tomava uma cervejinha bem gelada, no trabalho, no lugar onde se ergue o busto de Ottomar de Souza Pinto. Ali era respeitado, querido, amado. Sempre levava um sorriso no rosto e um lanche para os que tinham encarado a longa jornada semanal.

Carlinhos era assim, feito à imagem e semelhança do santo cuja igreja frequentava com muita constância, devoção e alegria: São Francisco, amigo dos bichos, das plantas, do sol e da lua; uma figura sedenta por Deus, cheia de intensa espiritualidade no coração. Se “alguém é tanto mais santo quanto mais humano seja”, então Cazuza era portador de enorme vida com Deus. Era de uma extrema humanidade, desde o ato de botar comida e água pros passarinhos até o cuidado com as feridas dos cães que nem dele eram.

Um carro, uma moto e uma coleção de amigos. Sidney, Wallace, Carmono, César Baiacu, Raulino, Caboco Clério, Williams, Magno velho e todos os sobrinhos, filhos de tia Zélia, Maria Messias e tia Dica. Também de Francivaldo Galvão, com quem batia longos papos sob as mangueiras mágicas do quintal de dona Otília. sorvendo uma antártica bem gelada. E aqui, peço perdão por não lembrar de todos os amigos, como Índio Bessa, Joãozinho, Eronildes, Patinhas, Cachorrão e toda a gente boa que com ele caminhou na trilha do existir.

Meu tio era indescritível.Indignava-se com a injustiça, a corrupção, o saque, a ladroagem, a opressão com que são tratados os que se vendem por cem reais e os que pagam o pato por se manterem bons, éticos e justos. Cazuza nunca deixou de ser menino. Nunca perdeu totalmente seu sorriso maroto, sua inocência bonita, coisa ingênua e morna que muitos deixaram e deixam pelo caminho. 

Era uma tarde morna. Nunca ia lá pra passar uma chuva. Sempre demorava duas, três horas, às vezes a tarde inteira. Creyse e Cleres também iam lá. Creyse levava Renato para conhecer e conversar com o tio, a quem ele chamava de “camaradinha legal”. Penso que o menino Renato deve ter aprendido um pouco da simplicidade daquele homem, daquele jovem que portava um espelhinho oval no bolso e uma escovinha, chamada por seu Gernésio de pente de malandro.

Oferecia suco, água, manguita, um pouco de peixe que sobrava do almoço. Sei que ele tinha muitos livros e um enorme quadro com Wanda, na parede,do qual tinha muito orgulho, feito no auge da juventude dos dois. Sei que ali estão a TV, companheira da solidão e da insônia, o sofá onde ele deitava, o velho ventilador que girava no ritmo em que Cazuza levava sua vida: devagar e sempre.

Cleres sempre estava lá, na tentativa de compensar a ausência de muitos que partiram para o Eterno e a eternidade. Brincava de ser simples com aquele discípulo de São Francisco, que sempre estava ali, entre cachorros, plantas e passarinhos.

Qualquer dia desses vou passar por ali, na tentativa de reabastecer o espigão de minha alma com as energias da simplicidade e daquilo que se constitui no autêntico existir, no mais amplo significado da verdadeira vida.

Sei que vou lembrar sempre do seu sorriso, do seu olhar franco, como que querendo agradar através de palavras cheias de singeleza e alegria de coração. Lembrarei da bicicleta vermelha, da manga madura, do abacate e, sobretudo, daquele rapaz latino-americano que portava uma escovinha e um espelho oval no bolso…

Adeus menino Cazuza, um dia nos encontraremos nos terreiros celestiais, cheios de sombra, cajueiros frondosos e uma grande revoada de passarinhos…

*Poeta, professor de filosofia, historiador, membro do Conselho de Cultura e membro da Academia Roraimense de Letras

CHEGA DE PRECONCEITO 

Marlene de Andrade*

“Ame o seu próximo como a si mesmo.” (Mateus 22: 37-39

 

Admiro profundamente a etnia negra, principalmente devido a tudo que seus antepassados viveram no tempo da escravidão, aqui e nos Estados Unidos. É revoltante lembrar o que fizeram com essa etnia, escravizando-a as últimas consequências. E o que causa estranheza é perceber que, principalmente nos Estados Unidos ainda há muito racismo. Tanto isso é verdade, que  Ku Klux Klan, o famoso KKK ou Klan, ainda existe naquele país perseguindo negros a título de defesa da supremacia branca. 

Quando eu era pequena, lá no Rio de Janeiro, onde nasci, residia uma senhora que era neta de escravos. Isso se deu nos anos 50. Eu gostava muito dela. Juntamente com suas netas, ficávamos ouvindo as barbáries que fizeram com os escravos no Brasil. Era estarrecedor o que ouvíamos.  

Lembro-me também que àquela altura, no Rio de Janeiro, havia pessoas que eram extremamente racistas, de forma inadmissível e eu pequena não conseguia entender o porquê daquela repulsa contra os negros. Meus pais também eram muito contra o racismo e eles foram o maior exemplo que recebi, na vida, em relação ao amor ao próximo. Não consigo entender porque tem gente que discrimina negros, índios e entre outros moradores de rua.  

Eu nasci na Rua Jogo da Bola, no Rio de Janeiro e me lembro do qua
nto meus pais se davam com um casal de negros, os quais residiam quase ao lado de nossa casa. Quando eu tinha dois anos, meus pais se mudaram para São Gonçalo, uma cidade depois de Niterói e de vez em quando eles pegavam a barca para irmos àquela rua passar o domingo com esse casal de negros e outras vezes, eles é quem vinham à nossa casa. Como eu gostava deles!  

Dias atrás, assisti parte de uma série, na netflix, a qual retrata como os negros eram retirados da África. A maldade era tanta, que eu nem quis ver mais o restante da série.  

Tomara que esta pandemia, pela qual estamos passando, muitas pessoas percebam que somos pó, literalmente pó, independente da nossa etnia, títulos ou nosso poder aquisitivo.  

O pastor batista, Martin Luther King, líder cristão do movimento pelos direitos civis nos EUA, foi barbaramente assassinado em 1968 aos 39 anos e isso é algo que não dá para esquecer. Esse pastor de Deus ficou na história pela sua coragem de seguir em frente em defesa dos negros. E ele foi em frente corajosamente, mesmo sabendo que poderia ser assassinado a qualquer momento.  

“Se não puder voar, corra. Se não puder correr, ande. Se não puder andar, rasteje, mas continue em frente de qualquer jeito.” Martin Luther King 

*Médica Especialista em Medicina do Trabalho/ANAMT 

CRM-RR 339 RQE- 431 

 

COMO AJUDAR

Afonso Rodrigues de Oliveira*

“Não se pode ajudar o assalariado, destruindo o patrão.” (Abraham Lincoln)

Lincoln enviou essa mensagem ao Congresso dos Estados Unidos, quando ele assumiu a Presidência da República, em 1860. Mais de um século já se passou e continuamos sem entender o pensamento do Lincoln. Continuamos querendo resolver problemas, com arrufos. Simples Pra dedéu.

Estive ainda há pouco, contemplando a beleza natural, do outro lado do chamado Mar Pequeno. É onde ficam as montanhas no Município de Iguape, em São Paulo. Nem mesmo o confinamento que estamos vivendo, consegue apagar a beleza natural que devemos contemplar sempre. Só quando nos concentramos no que somos é que realmente somos. E só quando entendemos que somos superiores não perdemos tempo com o inferior. E a única saída desse balaio de caranguejos é a racionalidade. E esta não existe sem o aperfeiçoamento do espírito. E só nos aperfeiçoaremos quando nos prepararmos como seres responsáveis pelo crescimento da humanidade.

E, por favor, não se incline a pensar que estou fundando uma religião. Estou apenas conversando com você. E nas conversas devemos, sempre, expressar nossos pensamentos. E estes devem estar sempre no horizonte racional. Mas vamos conversar sobre o que realmente nos interessa e que pode nos levar aonde queremos ir. Porque o que não devemos é ficar parados e atolados nesse lamaçal de ignorância. Porque somos todos ignorantes. Cada um ignorando coisas diferentes. Porque enquanto os pensamentos não se orientarem na racionalidade, não seremos racionais.

Cada minuto que você perde com pensamentos negativos, ou aborrecendo-se com problemas, é um minuto perdido na sua vida. E porque ficar perdendo tempo com os erros? E se continuarmos dando atenção a eles, continuaremos errando. E a melhor maneira de não errar é aprender com os erros. Então vamos à escola.

E por falar em escola, vamos falar e pensar mais em educação. Porque ela, a educação, é o maior problema que temos, e sempre tivemos, e nunca o enfrentamos nem lhe demos a devida atenção. E por isso continuamos na ignorância, sem racionalidade. Onde está o seu valor? Em você ou na cor da sua pele? O que é mais importante? Você ou sua cor. Nunca se aborreça com o boboca que despreza você, por pensar e julgar que você é inferior a ele. Lembre-se do teatrólogo Jaime Costa: “Não há bobo mais bobo do que o bobo que pensa que eu sou bobo.” Só o inferior pode julgar e colocar você no nível dele. Nunca se julgue pelo que os outros julgam em você. Ame-se e não tenha medo, nem receio, de ser o que você realmente é. Pense nisso.

*Articulista

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