“Dias de sofrimento, fome e angústia”. Foi assim que o casal de brasileiros que passou 48 dias detido na Venezuela, por ter comprado combustível em local clandestino, definiu a experiência nos presídios da cidade de Puerto Ordaz. Em Boa Vista desde anteontem, dia 27, eles disseram: “Não queremos voltar lá nunca mais”.
No dia 08 de setembro, o auxiliar administrativo Kácio Silva e sua companheira, Ana Cássia Oliveira, acompanhados da filha, que na época estava com 5 meses de vida, e do amigo Tyson Correia, foram ao país vizinho. Ao chegarem a Pacaraima tentaram abastecer o veículo, porém não conseguiram.
“Decidimos abastecer na cidade de Santa Elena de Uairén, na fronteira. Quando chegamos lá, o único posto estava lotado. Para poupar tempo, decidimos abastecer naquelas casas que vendem gasolina de forma clandestina”, explicou Silva. Alguns minutos depois, os brasileiros foram surpreendidos por oficiais da guarda venezuelana. “Eles acabaram nos prendendo junto com as duas venezuelanas que estavam vendendo o combustível e nos levaram para o comando”, disse.
Como estavam acompanhados de uma bebê de 5 meses, os guardas venezuelanos estipularam um prazo para que familiares dos brasileiros fossem até Santa Elena de Uairén para pegar a criança. Segundo a mãe da criança, Ana Cássia Oliveira, a principal fonte de alimentação da menina ainda era o leite materno. “Foi um sofrimento para mim ver a minha filha chorar ao deixar os meus braços. Nos meus seios transbordava leite, mas como ela não estava mais ali para mamar, eles acabaram secando. Já em Boa Vista, minha sogra passou a dar leite enlatado para ela”, relatou.
No dia 09 de setembro, após terem passado a noite anterior no comando da guarda venezuelana, os três brasileiros e as duas venezuelanas foram levados para Puerto Ordaz, onde seriam levados a julgamento. Kácio relatou que eles ficaram hospedados no tribunal daquela cidade até o dia 12.
“Fomos a julgamento na sexta-feira, dia 11, mas não conseguimos. Tentamos novamente no dia seguinte, porém não obtivemos resultado. Para não passarmos mais uma noite no chão do tribunal, os guardas que nos escoltavam nos levaram para um hotel. Lá, eles pagaram todas as despesas com o dinheiro que ainda tínhamos conosco”, disse.
No dia 15 de setembro, o juiz determinou a prisão dos brasileiros e das duas venezuelanas. No mesmo dia, as mulheres foram encaminhadas para um presídio feminino em Puerto Ordaz. “Meu amigo e eu ainda esperamos por dois dias para sermos levados ao presídio”, explicou o assistente administrativo.
Segundo Silva, o presídio masculino onde ficaram é um lugar perigoso. “Lá os presos andam livremente pelos corredores com armas nas mãos e faziam o que queriam. Felizmente, eles compreenderam a nossa situação e não nos agrediram. Durante nossa estadia lá, ficamos eu e meu amigo em uma cela”, disse.
Um dos principais problemas enfrentados pelos brasileiros foi a alimentação. “Durante todos esses dias nos alimentamos quase que exclusivamente de sardinha.
O país passa por uma crise que até mesmo os gêneros alimentícios estão em falta. Ainda não me pesei, mas durante esses dias lá perdi muitos quilos. Foi uma experiência angustiante”, lembrou.
Para Ana Cássia, a alimentação não foi um problema. “Logo nos nossos primeiros dias no presídio, alguns de nossos familiares foram para Puerto Ordaz. Nos dias de visita, meu sogro sempre levava comida, eu deixava em minha cela e nenhuma das outras detentas mexia”, disse.
Ana Cássia relatou que tinha livre acesso a um telefone celular. “Nos dias em que estive presa, me comunicava com minha mãe com frequência. Ela sempre me informava como estava a minha bebê. Isso foi um alívio para mim”, disse.
Os familiares chegaram, contrataram advogados para agilizar a saída deles, porém nenhum conseguiu resolver o caso. “Todos nos diziam que deveríamos aguardar 45 dias, porque depois deste período seríamos julgados novamente e poderíamos ser soltos, porém a contagem deles é diferente. Os dias de visita, que eram três por semana, não contavam como dias de pena. Desta maneira, completaríamos 45 dias somente em janeiro”, observou.
Cansados de esperar, os familiares procuraram o Governo de Roraima. “Minha mãe foi até a Secretaria de Assuntos Internacionais e a secretária adjunta, Fátima Araújo, se mobilizou para nos ajudar. Ela foi até Puerto Ordaz, conversou com o juiz e conseguiu nos soltar após 48 dias presos, mediante o pagamento de uma fiança de R$ 7 mil”.
Para arrecadar o dinheiro para a fiança, os familiares promoveram uma feijoada. “Mesmo com a feijoada, não conseguimos todo o dinheiro. Meus pais pegaram e completaram com dinheiro emprestado”, frisou.
Na terça-feira, dia 27, os três brasileiros foram soltos. Ana Cássia Oliveira e Kácio Silva retornaram para Boa Vista no mesmo dia. Tyson Correia ainda está em Pacaraima aguardando o desbloqueio da BR-174 para retornar. (I.S)