A bomba está armada há muito tempo no Extremo Norte
Jessé Souza*
Enquanto temos um presidente concentrado em fazer pouco caso da pandemia e que boicota de todas as formas a aquisição da vacinas para imunizar a população, no Extremo Norte brasileiro uma guerra não tão silenciosa está sendo travada por garimpeiros e indígenas nas florestas e lavrados de Roraima.
São duas frentes desse problema, agora. Uma mais antiga, nas florestas da Terra Indígena Yanomami, onde recorrentes conflitos entre índios e garimpeiros, bem como indígenas x indígenas, devido ao alcoolismo, cujo reflexo imediato pode ser visto nas águas cada vez mais turvas nos principais rios do Estado, como o Uraricoera e Mucajaí.
É uma situação grave, pois o Rio Uraricoera, ao Norte do Estado, é afluente do Rio Branco, o principal manancial de água potável que abastece a Capital e municípios como Mucajaí, Iracema, Caracaraí e Rorainópolis. O Rio Mucajaí deságua também no Rio Branco no município que leva seu nome, no Centro-Sul do Estado.
Nesses rios é possível ver um vergonhoso “encontro das águas”, não aquele visto entre Rio Negro e Solimões que é um atrativo turístico no Amazonas conhecido internacionalmente. Em Roraima, é um vergonhoso encontro de águas barrentas, poluídas pelos rejeitos do garimpo, com as águas mais claras de regiões ainda sem poluição. A imagem é de um turismo de horror.
A outra frente desse embate está na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, invadidas por centenas de garimpeiros no Município Uiramutã, ao Norte, e no Município de Normandia, a Leste do Estado. Nessas duas regiões, as comunidades indígenas montaram barreiras de monitoramento e fiscalização para impedir a entrada de garimpeiros e prevenir a entrada do coronavírus.
Nessas regiões, o rejeito também está sendo lançado em rios e lagos que cercam as comunidades, os quais são mananciais de água potável e fonte de subsistência pela piscicultura. Além disso, imensas favelas (chamadas pelos garimpeiros de corrutela) estão sendo formadas nessas regiões.
O enfrentamento entre índios e garimpeiros está sendo fomentada nas redes sociais e grupos de WhatsApp devido à instalação de barreiras pelas comunidades indígenas. Se o governo brasileiro não intervir de alguma forma nesta questão, algo de muito grave pode ocorrer a qualquer momento, uma vez que não se tratam apenas de garimpeiros não-índios, mas também indígenas que defendem e apoioam o garimpo.
A bomba está armada há muito tempo na Terra Indígena Yanomami. E foi armada na Terra Indígena Raposa Serra do Sol mais recentemente, principalmente depois da intensificação da crise do desemprego provocada pela pandemia e pelo posicionamento do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que se elegeu prometendo reabrir o garimpo.
Também, mais recente, pela posição do governador Antonio Denarium, alinhado ao pensamento e à política do presidente, que sancionou uma lei estadual que liberava o garimpo com uso de mercúrio, despertando a sanha de pais e mães de famílias desempregados que apostam na exploração mineral a saída para seus problemas gerados pelo desemprego ou pelo subemprego.
A lei estadual foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas o estrago já estava feito no campo minado em que se transformaram as terras indígenas, mesmo que esta lei autorizasse apenas a exploração fora de terras indígenas.
O governo brasileiro precisa agir, pois não se trata de ser contra ou a favor do garimpo; ou tão somente de defender a proteção dos povos indígenas. Diz respeito a toda população roraimense, pois os principais mananciais de água potável estão em sérios riscos. Sem contar que esses rios são fonte de vida e meio da atividade econômica para milhares de ribeirinhos que vivem da pesca.
Os amazonenses também deveria estar muito preocupados com isso, pois o Rio Branco, que está recebendo toda carga de poluição por rejeito e mercúrio, deságua em um dos principais mananciais do Amazons. Ou seja, o grave problema em Roraima diz respeito à toda região amazônica.
Então, o governo brasileiro vai assistir a tudo isso de braços cruzados, assim como tem feito corpo mole para a questão da pandemia?
*Colunista