De inversão a inversão, vamos chegar ao caos em breve
Jessé Souza*
Um vídeo que circula sobre a situação das ruas e avenidas do bairro Pedra Pintada, o qual surgiu de uma grande invasão na zona rural de Boa Vista, mostra alguns fatos que continuam ocorrendo em Roraima a partir de uma herança antiga de nossa velha política.
Bastou caírem essas chuvas atípicas para que as vias públicas do Pedra Pintada, recentemente transformado em bairro, virasse um imenso atoleiro. No vídeo, carros pequenos e grandes, além de um caminhão, aparecem atolados um próximo do outro, no total de quatro veículos.
Um morador gravava a cena de um dos carros atolado dentro de um lamaçal que escondia uma imensa cratera. De repente, um caminhão aparece e o motorista foi alertado que não daria pra passar. Dito e feito. O veículo ficou no atoleiro.
O cidadão que grava as imagens mostrou outros três carros no atoleiro, numa cena que parece hilária, mas que representa a ausência do poder público com ao menos uma terraplanagem para evitar esse tipo de transtorno naquela localidade.
O fato é que esse bairro nasceu de uma invasão e recebeu apoio dos políticos para fosse oficializado, mesmo que sem as infraestruturas mínimas necessárias, como pavimentação, calçada e meio-fio. O vídeo mostra muito bem em que condições foi a oficialização daquela ocupação.
Enquanto a periferia padece, seguem os planos da Prefeitura de Boa Vista de asfaltar as avenidas principais da área central da cidade, a exemplo a Av. Brigadeiro Eduardo Gomes, em frente ao Parque Anauá, que dá acesso aos bairros nobres da cidade, assim como foi feito com a Av. Ville Roy.
Em janeiro deste ano, logo nos primeiros dias de mandato do novo prefeito, fiscais e guardas municipais foram para uma ocupação nas proximidades do Anel Viário, na zona oeste, e começaram a derrubar as casas que estavam sendo construídas, sob argumento de que se tratava de um loteamento não regularizado.
A ação de demolição só foi interrompida com a chegada de vereadores, que questionaram se havia notificação para a defesa daqueles moradores que compraram aqueles lotes de boa-fé e estavam realizando o sonho da casa própria.
Difícil ter um parâmetro sobre esse assunto, pois a mesma política que libera a regularização de um bairro sem infrastrutura não é a mesma que manda demolir casas sem haver o processo administrativo legal, muito menos uma ordem judicial.
É a politicalha fazendo o seu papel desde o princípio, uma vez que Boa Vista foi construída com base nesta fórmula, de incentivar a invasão em troca de votos para logo depois chegar a regularização, da mesma forma como ocorreu com o Pedra Pintada atualmente.
Enquanto bairros periféricos padecem de estrutura, temos um poder público municipal que dá prioridade de asfalmento para ruas e avenidas já asfaltadas, cujo problema seria resolvido com uma simples operação de tapa-buraco, como é o caso das avenidas citadas acima, as quais são vias de acesso para áreas nobres da cidade.
As chuvas que estão caindo na Capital apenas revelam onde deveria ser prioridade, no caso da urbanização e infraestrutura. Mas, pelo que se tem observado historicamente, a prioridade tem seus critérios definidos por interesses que fogem ao entendimento da população. E até os mais absurdos casos de inversão de prioridades ficam por isso mesmo.
E essa inversão não está apenas na questão do asfaltamento, por exemplo. Daqui a poucos anos, se nada for feito no que diz respeito à mobilidade urbana, nos transformaremos em um das piores capitais para se viver devido ao caos no trânsito. A situação não se agravou ainda por causa da pandemia, que obriga muitos a trabalhar e estudar em casa.
Quando a pandemia aliviar, aí teremos a verdadeira face do problema apresentado a quem precisa sair de casa e enfrentar um trânsito caótico. Pelo menos para quem mora na zona oeste da Capital, onde o asfalto demora ou nunca chega, setor que vive intensamente essa inversão sob todas as óticas.
Então seremos uma cidade bonitinha dentro do vidrinho, mas ruim para se viver. Anotem isso!
*Colunista
*Colunista