Esquerda e direita volver; o coronavírus como palanque eleitoral
Jessé Souza*
Estarrecedor o que está ocorrendo com a política enquanto a pandemia de coronavírus avança. O vírus tornou-se uma guerra dicotômica entre extrema esquerda e extrema direita, do lulismo x bolsonarismo. O quadro só piora na realidade regional, quando as lideranças locais transformam os fatos em uma campanha eleitoral antecipada.
Roraima é um exemplo bem cristalino dessa racha prejudicial a todos. Temos o governador Antonio Denarium (sem partido), eleito sob a bandeira do bolsonarismo, que mais parece um governo de transição, que não consegue sair de sua mesmice, sem pulso firme para tomar decisões que mostrem uma ponta de mudança, de fato.
Desde o início de seu governo, Denarium sequer conseguiu consertar a questão da saúde pública, quadro este que já vinha agravado e cuja bomba estourou no colo da atual administração, no vexaminoso episódio de trocas seguidas de secretários de Saúde, todos deixando o cargo apontando a sistêmica corrupção que por lá havia se enraizado.
Ao lotear seu governo buscando governabilidade e apoio para suas futuras pretensões políticas, o governador reforçou o abandono de suas bandeiras de campanha como também declarou aberta uma campanha eleitoral antecipada e escancarada na mídia e redes sociais.
Seus eleitores não eram apenas bolsonaristas, mas pessoas que rogavam por mudanças, especialmente por parte de um “não político”. Assim também como nem todos que votaram em Jair Bolsonaro (sem partido) se transformaram em bolsonaristas, pois muitos almejavam mudanças diante da velha política.
O abandono de Denarium das bandeiras pelas quais ele foi eleito serviu como um sinal para os grupos loteadores do governo entrarem em flanco tiroteio com o grupo liderado pela ex-prefeita Teresa Surita e pelo ex-senador Romero Jucá (ambos do PMBD), em que divergências se tornam briga política e os problemas na saúde em tempos de pandemia um motivo a mais para alimentar uma campanha eleitoral fora de época.
No meio desse embate, a maior vítima é o povo, que sofre as angústias da pandemia de Covid-19, com a morte nos hospitais desestruturados e o sofrimento em postos de saúdes, bem como o desemprego a galope sob o rebenque do coronovirus.
Enquanto os grupos locais fazem um pré-cenário do que virá na próxima eleição e o Governo Federal administra o caos na dicotomia lulismo x bolsonarismo, o barco afunda com o vírus fora de controle e a economia aprofundando ainda mais na crise.
Na ponta, ainda tem o povo e os formadores de opinião, que se aboletam em suas bolhas virtuais, a partir da qual muitos passam a tomar posições de acordo com suas ideologias ou em favor de seus políticos de estimação.
Com a deformação do discurso, transformam debate em agressões ou, pior, desconstroem opiniões que não lhes agradam para justificar sua posição partidária, ou pegam trechos de opiniões contrárias que os desagradam para desvirtuar o contexto a fim de “cancelar” seu oponente. É uma guerra na qual só os mais pobres saem perdendo.
Nessa esteira, o coronavírus avança sem controle, pois os políticos preferem a arena eleitoral, a economia afunda cada vez mais e o número de mortos só cresce em um país que sequer conseguiu ter um ministro da Saúde desde o início da pandemia.
O que está em jogo, neste crucial momento, são a vida das pessoas e a retomada do crescimento da economia. Especialistas e até mesmo economistas são unânimes em afirmar que isto só é possível com a vacinação em massa o mais breve possível.
Não será possível retomar a economia sem controlar a pandemia por meio da imunização em massa, além da imediata adoção de medidas de controle do coronavírus por meio de um pacto nacional. Mas isso se tornou algo impensável diante do quadro político que se tornou binário entre esquerda e direita; ou dos quadros regionais entre situação e oposição, como ocorre em Roraima.
Nem a questão das vacinas o Governo de Roraima e a Prefeitura de Boa Vista conseguem administrar com o mínimo de eficiência. A denúncia mais recente é o desperdício de doses de vacina sob responsabilidade da Prefeitura de Boa Vista, que está sob a liderança do grupo político comandado por Teresa e Jucá.
Trata-se do exemplo clássico no que a política transformou a pandemia em todos os níveis de governo. Deixar estragar vacina ou estocar por falta de competência para gerir a logística é um ato criminoso diante do que representa a imunização para frear o avanço da Covid-19.
Tão odioso quanto pregar teoria da conspiração ou fake news tentando fazer crer que as pessoas irão se transformar em jacaré, caso tomem vacina. É tão nocivo a ponto de uma população inteira de uma aldeia indígena, no Sul de Roraima, ter recusado a vacina porque acreditaram que iriam se transformar em jacaré, onça ou porco do mato.
Houve até uma comunidade indígena da mesma região, influenciada pela religião, onde os membros de uma igreja recusaram a imunização porque acreditavam que, se tomassem a vacina, não iriam para o Céu. A que ponto chegamos!
Esse é o quadro da realidade brasileira que segue numa guerra política que apenas reforça os estragos causados pela pandemia. Roraima, com sua população do tamanho de um bairro de qualquer Capital brasileira, que deveria ser exemplo para o país, patina no confronto de grupos com seus interesses partidários
O povo que lute entre teoria da conspiração, fake news, discussões ideológicas e brigas partidárias.
*Colunista