O ‘anjo da morte’ já está entre nós desde o início da pandemia
Jessé Souza*
A situação ficou tão preocupante em Roraima que o ato de acessar a rede social tornou-se um momento de aflição, diante do receio de receber a notícia da morte de um amigo e de mais um conhecido de nosso círculo social. Nas última semanas, as redes sociais deixaram de ser algo agradável para se tornarem um obituário.
Diante desse quadro, tornou-se no mínimo vergonhoso ver políticos, em suas bolhas virtuais, se solidarizando com vítimas da Covid-19, mas que, não faz muito tempo, estavam organizando eventos públicos e aglomerando as pessoas em inaugurações de obras. Sem contar que a campanha eleitoral foi marcada por um “liberou geral” que incentivou a população a perder o medo da doença.
Inclusive há cenas de agentes públicos que, em vez de estarem fazendo visitas a postos de saúde, a fim de averiguar a realidade do atendimento à população, aparecem aglomerando em eventos religiosos em praça pública, em uma imagem muito parecida como uma passagem da Bíblia (Mateus 6:5-15) que fala dos hipócritas que fazem cena pública apenas para serem vistos orando.
Que orem, que apelem para as forças superiores. Mas que cumpram com suas obrigações políticas para as quais foram eleitos e pelas quais são bem pagos com dinheiro público. Não deixar estragar vacina já seria de grande utilidade. Unir esforços para vacinar o maior número de pessoas é a única saída.
Mas nem isso nossas autoridades estão sabendo administrar, inclusive deixando vacinas destinadas aos povos indígenas estocadas por falta de planejamento de logística, enquanto havia um ministro da Saúde tampão que estava mais preocupado em viabilizar sua futura candidatura do que em salvar a vida das pessoas.
E tudo isso diante de um presidente negacionista que de tudo fez para desacreditar a vacina em vez de agilizar uma imunização em massa desde o início da pandemia, alimentando teorias da conspiração, a qual é reforçada por pensamentos apocalípticos de religiosos delirantes que pregam que a vacina traria o “chip da besta fera”
Enquanto nossos governantes entram nessa desorganização política e delírio coletivo, ainda surgem religiosos oportunistas, a exemplo de um vídeo que viralizou no qual aparece um sujeito falando que teve uma “revelação”, a qual o avisou que, no dia 30 de março, descerá um “anjo da morte” que irá espalhar o terror e matar pessoas que estiverem caminhando na rua, no supermercado e até na calçada de suas casas.
O que era para ser tratado apenas como mais um meme ou um delírio de um religioso delirante acaba ganhando tom de uma suposta mensagem divina, espalhando mais pânico em um povo já atônito por tantas fake news que chegam diariamente por meio de correntes em WhatsApp.
Momentos como esse, de muita incerteza e insegurança, são férteis para o surgimentos de religiosos malucos. Ou já se esqueceram de um vídeo que viralizou, faz alguns anos, de uma mulher que profetizava uma grande tragédia dentro de um shopping, o centro do consumismo do mundo moderno, que iria matar muita gente?
Esse “anjo da morte” já está entre nós há um certo tempo, agindo contra a vacina, incentivando aglomerações, não cuidando da saúde pública, minimizando o poder avassalador do vírus. Ou fazendo desvios do dinheiro da saúde para combater o coronavírus. Ou simplesmente deixando de cumprir com suas obrigações. Ou cheio de omissões.
O povo precisa acordar desse delírio coletivo do qual foi acometido. Seja na política, percebendo que a saúde pública nunca foi prioridade e que nesse momento crítico a situação só piora. Seja na religião, que é para confortar e orientar, e não alimentar o pânico ainda mais.
Já somos considerados o pior país no enfrentamento à pandemia e caminhamos para um colapso econômico, caso o vírus não seja freado a partir da imunização em massa da população.
Enquanto isso, as autoridades locais deveriam estar mais empenhadas em fazer sua parte, especialmente monitorando diariamente a situação da saúde pública, do que se encher de oportunismo político em suas bolhas virtuais ou se ajoelhando em praça pública para fazer média com o público evangélico.
´*Colunista