Bolsonaro agora não tem mais um Exército para chamar de seu
Jessé Souza*
Demorou muito para as Forças Armadas tomarem uma posição frente ao governo Bolsonaro, que não hesitava em colocar os militares na linha de frente como forma de abonar o seu desgoverno, especialmente no negacionismo que alimentou o descaso com a pandemia, na política que alimenta uma guerra ideológica extremista e numa política externa que colocou o país em situação delicada frente ao mundo.
A começar pela política do negacionismo, quando os militares historicamente têm forte formação positivista, que é uma corrente teórica inspirada no ideal de progresso contínuo da humanidade, sempre baseada na ciência. O mesmo positivismo que levou o Brasil ter na sua bandeira a palavra “Ordem e Progresso”, que significa apostar no progresso moral e científico da sociedade por meio da ordem social e do desenvolvimento das ciências.
Bolsonaro achava que, como presidente, teria passe livre para ter o Exército abonando suas decisões equivocadas (para não dizer malucas) e sua forma de fazer política – ou melhor, de não fazer política – alimentando uma paranoia coletiva de achar que todo o mal do país está no lulapetismo e no comunismo, como se o PT e os comunistas estivessem no comando da nação.
Obviamente que o PT tem suas grandes culpas, as quais devem ser sentenciadas pelo povo, nas urnas. Mas Bolsonaro achava que não teria que governar de verdade, bastando alimentar a paranoia sobre o “comunismo”, representada na figura do lulapetismo, para agradar seus séquitos em frente ao Planalto ou nas redes sociais.
E assim achava que os militares deveriam ter se posicionado no episódio do ex-presidente Lula, para que se alinhasse a sua postura de alimentar essa guerra ideológica e colocar o país numa trincheira incendiária. O capitão que atirava bombas em protesto queria um Exército repetindo o mantra bolsonarista contra o lulapetismo.
Bolsonaro já havia afrontado os militares, ao ter rasgado um relatório do Serviço de Inteligência que alertava como o país deveria agir para enfrentar a pandemia do coronavírus. Não só jogou o documento na lata de lixo como usou o general Eduardo Pazuello para executar suas ordens contra a vacina e contra quaisquer medidas, como uso de máscara, distanciamento social e quarentena.
Em vez de vacinas, a ordem era o “kit de prevenção”, o qual Pazuello tentou empurrar durante a crise em Manaus (AM), onde ele tinha pretenções políticas, retardando qualquer negociação para adquirir vacinas. E tudo isso dentro de uma política negacionista e com ironias em seus discursos em frente do Planalto.
Enquanto isso, o Brasil entrou em um colapso total, alcançando números castastróficos de mortos por Covid-19, com o Brasil passando a ser motivo de chacota internacional e de conflitos com países aliados. Em vez de atacar o avanço do vírus, Bolsonaro alimentava os discursos golpistas, como ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF), defesa da intervenção militar e posições que atentam contra a democracia.
Houve ainda mais um episódio que desagradou os militares, quando Bolsonaro também ignorou um relatório sobre as milícias, as quais o Exército já vinha monitorando há um certo tempo, desde quando os militares foram utilizados para ocupações em morros no Rio de Janeiro.
A família Bolsonaro tem fortes ligações com milicianos e há uma grande desconfiança de que a defesa pela liberação de armas não seria necessariamente para garantir ao cidadão o direito de sua própria arma para legítima defesa, mas para garantir mais poder às milícias, uma vez que o cidadão mal consegue dinheiro para sobreviver.
Os militares não querem ver suas instituições abonando um governo que seguidas vezes não mostra compromisso democrático, obrigando o Exército a ficar se explicando para a imprensa e para o povo nas redes sociais, uma vez que os militares ocupavam (e ainda ocupam) vários cargos dentro do governo Bolsonaro.
Sim, o governo Bolsonaro freou a corrupção generalizada que tanto mal fez ao país desde longas datas. Mas o país entrou em um aspiral de desgoverno impossível de abonar, especialmente diante de uma grave crise em que o governante da nação age por arroubos e que inclusive chegou a dizer: “Meu Exército não vai obrigar o povo a ficar em casa”.
Impossível saber o que será daqui para frente. Mas um fato é certo: o capitão Bolsonaro não poderá mais chamar o Exército de seu e também já está sabendo que não tem apoio nas suas ideias antidemocráticas e incendiárias.
O mesmo capitão que dormia nas cadeiras do Congresso, quando foi deputado federal por mais de duas décadas e meia, acordou presidente e achava que tudo podia.
Agora levou um choque de realidade e tem que decidir se continua presidente com sua base aliada no Congresso; ou se entrega a Presidência para o Centrão e fica apenas como “base aliada” no Palácio do Planalto, com seus discursos em frente ao Planalto para os séquitos pedindo intervenção militar.
Pobre Brasil. O que será de nós?
*Colunista