O país de Macunaíma, os bilionários, fura-fila e a vacina a peso de ouro
Jessé Souza*
Definitivamente, o Brasil não é um país sério. Vamos aos fatos, de cima para baixo. Enquanto quatro mil pessoas morrem por dia, vítima de coronavírus, o país recebe a notícia de que mais 13 brasileiros entraram para a seleta lista de bilionários.
Dessa lista, dez enriqueceram como banqueiros. Mas os outros três ficaram bilionários durante a pandemia explorando negócios com a saúde privada, como redes hospitalares, laboratórios e planos de saúde. Esse trio lucrou R$78 bilhões líquidos!
Significa que, enquanto as pessoas morriam por falta de oxigênio, respiradores e de leitos de UTI, com o Sistema Único de Saúde (SUS) precarizado e colapsado, o setor privado enchia os bolsos, enquanto alguns políticos enchiam a cueca.
Por cima dos cadáveres embalados em sacos pretos e lacrados dentro de urnas para que nem velório houvesse, havia servidores desviando e vendendo remédios que deveriam estar servindo aos mais pobres que recorrem ao SUS. Em Roraima, um homem foi preso vendendo remédios de uso exclusivo em intubação nas UTIs. Preço: R$3,5 mil.
Como o governo negligenciou de todas as formas visando adiar a vacinação em massa da população, logo a esperteza entrou em cena, com gente furando a fila das prioridades. Em Roraima, o prefeito de Alto Alegre nomeou a namorada blogueirinha como secretária de Saúde apenas para que ela furasse a fila da vacinação.
Não satisfeitos com os bilhões faturados pela iniciativa privada, o dinheiro na cueca e os fura-fila da vacina nos rincões deste país, os mais ricos logo agiram para oficializar essa furada de fila. Então, a Câmara Federal e o Senado aprovaram rapidinho o “projeto fura-fila” para os VIPs, o qual autoriza que empresas privadas comprem vacina e imunizem os seus antes das prioridades do SUS.
Tem mais imoralidade por aí. No país dos bilionários, dos políticos espertalhões e dos VIPs da vacina, os povos indígenas não conseguem ser atendidos com vacina, mesmo sendo prioridade, pois o Ministério da Saúde só agora conseguiu ter um titular e não há preocupação com qualquer tipo de logística. Manaus (AM) foi o exemplo clássico dessa trapalhada macabra, onde as pessoas morreram por falta de oxigênio.
Os índios de Roraima não conseguem se imunizar com prioridade porque a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) não se preocupa com a logística para distribuir as vacinas por meio de seus Distritos Sanitários Indígenas (Dsei), deixando as vacinas depositadas nas geladeiras do Governo de Roraima, que também lava suas mãos porque alega que não tem nada a ver com isso.
E índio não é prioridade mesmo, já que no auge da pandemia, ainda na primeira onda do coronavírus, o primeiro setor a ser desinstalado dentro do Hospital Geral de Roraima (HGR) foi o serviço especializado em atendimentos aos indígenas.
Já que não há preocupação de governo com os povos indígenas, e isso não é de agora, desse governo, então surgiu a denúncia de que servidores da saúde indígena que atuam na Terra Indígena Yanomami estariam vendendo a vacina contra Covid-19 para os garimpeiros, que pagariam com ouro. Literalmente, a vacina comercializada a peso de ouro.
A denúncia foi formalizada junto ao Ministério Público Federal (MPF) e à Sesai pela Hutukara Associação Yanomami, a qual vai mais longe, afirmando que uma técnica de enfermagem havia desviado gasolina e um gerador de energia para os garimpeiros em troca de ouro.
Até medicamentos destinados aos indígenas também estavam sendo comercializados com os invasores, conforme aponta o ofício assinado pelo líder Davi Kopenawa. Ou seja, eles invadem, pegam o ouro e ainda se beneficiam da saúde indígena por meios igualmente ilegais.
Tem mais. A denúncia afirma que os garimpeiros disseminam “fake news”, dizendo aos Yanomami que eles não devem se imunizar porque o governo estaria querendo “matar os índios com a vacina”. Isso fez com que nove comunidades recusassem a vacina em massa.
Não tem como um país desse dar certo. É um país bem representado na obra Macunaíma, de Mário de Andrade, que retrata o brasileiro com seus traços negativos de preguiça, inconstância, libertinagem, covardia e pouca confiabilidade.
Não tem como dar certo…
*Colunista