A velha política e um complicado enredo de um filme da vida real
Jessé Souza*
A velha política e um complicado enredo de um filme da vida real Jessé Souza As notícias mais proeminentes da política roraimense não vieram dos bastidores de gabinetes nem da tribuna do parlamento, mas da polícia. Mais precisamente da Polícia Federal, que realizou uma operação, na sexta-feira passada, em um gabinete parlamentar na Câmara de Vereadores de Boa Vista. Mas o que se seguiu foi um silêncio dos atores políticos.
O desenrolar dos fatos parece digno de cenas de um seriado policial televisivo. Infelizmente, tudo é real. São cenas da política roraimense que nada mais são do que mais o desenrolar dos fatos da velha política brasileira, da qual já conhecemos muito bem.
Em dezembro do ano passado, a PF desencadeou a Operação Alésia com a finalidade de investigar a ação do crime organizado que agia (ou age) dentro do sistema prisional com a participação de policiais penais que atuavam na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (Pamc), o maior presídio de Roraima que segue até hoje sob intervenção de forças federais.
Tal operação já era consequência de uma operação anterior, que investigava presos de uma facção criminosa que não só comandavam o crime dentro da Pamc como também fora dela. E parece que esse comando ainda existe, pelas cenas corriqueiras de assassinatos que indicam queima de arquivo.
Ainda durante a primeira operação, em 2020, as investigações se depararam com servidores do sistema prisional em conluio com o crime organizado, atuando no tráfico de droga, peculato, corrupção passiva, prevaricação, lavagem de dinheiro e até advocacia administrativa. Durante as buscas e apreensões da segunda operação, quando os investigados desta vez eram os agentes do Estado, a PF chegou a pistas que levavam a um esquema de compra de votos nas eleições municipais de 2019, em que os mesmos policiais penais investigados participavam do esquema protegendo e transportando dinheiro para a compra de voto para um ainda então candidato a vereador. Esse candidato acabou se elegendo, o qual foi alvo da operação realizada na sexta-feira passada e chegou a ser preso por posse ilegal de arma de fogo. Só que este vereador já vinha sendo investigado desde 2018, alvo da Operação Escuridão sobre um esquema de desvio de dinheiro para compra de alimentos para detentos do sistema prisional. Nessa investigação sobre superfaturamento e desvio de recursos de alimentos para presos, os alvos são 12 pessoas, entre as quais envolvem não só o hoje vereador eleito por Boa Vista como também um deputado estadual, o filho da ex-governadora e outros acusados de lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Todos foram presos na época. Esse esquema apontado pela “operação das quentinhas” já vinha sendo investigado pela PF em outras duas operações (Operação Gárgalus 1 e 2)e que também chegou a ser apontado pela CPI do Sistema Prisional.
A Operação Gárgulas 1 vinha realizando investigações desde 2017 sobre desvio de recursos do Fundo Penitenciário Nacional. Trata-se de um enredo complicado, que ficaria melhor explicado em um organograma fixado na parece, que nem aqueles filmes policiais norteamericanos. Mas não de difícil entendimento se resumido.
Em resumo, significa que o sistema prisional estava nas mãos não apenas de facções criminosas, mas de uma organização que contava com ajuda de agentes estaduais e políticos, tanto é que um se elegeu deputado e outro vereador, já que temos uma Justiça lenta. O esquema também contava com gente influente, a exemplo do filho da então governadora da época, a qual foi obrigada a deixar o cargo antes de findar o seu mandato ao aceitar o acordo de uma intervenção federal, pois a administração não estava mais sequer conseguindo pagar os servidores estaduais. Não se pode esquecer que, na legislatura passada da Câmara, um vereador cumpriu parte de seu mandato dentro da cadeia, sob acusação de envolvimento também com o crime organizado. Mas esse caso não tem nada a ver com o esquema desenhado neste artigo.
É apenas uma ilustração dentro desse enredo de seriado televisivo rico em detalhes. Um detalhe importante é que, se há um político acusado de compra de voto, é porque existem eleitores que venderam seu voto.
Ou seja, a velhacaria na política não pode ser atribuída somente aos políticos, mas também aos eleitores. Enquanto os eleitores não começarem a ser presos por essa prática criminosa, nada vai mudar.
Nesse enredo também é possível notar que o crime organizado já vinha atuando há tempos dentro da estrutura do Estado, a partir do sistema prisional, e também com ramificações na política. E quando isso ocorre, significa que temos um poder paralelo que precisa ser desarticulado, sob risco de continuarmos tendo um Estado não apenas travado, mas sobressaltado pelo crime e a criminalidade.
A saúde pública é apenas outra consequência de quando o Estado passa a ter um poder paralelo… e que poderia representar um capítulo dentro desse seriado da vida real. Roteiristas já podem ir escrevendo a série (se tiverem coragem), pois assunto não vai faltar.
*Colunista