Um desmonte do país mesmo diante das inconstitucionalidades
Jessé Souza*
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Federal foi tomada na defesa da ideologia do atual governo para desmontar o país em várias frentes, como serviço público, ambientalismo e questão indígena. Todas as matérias com claro vício constitucional tem passado não só o boi, como também toda a boiada.
Já passou por lá o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 32, chamada de PEC da Reforma Administrativa, a qual dá plenos poderes para o presidente alterar e extinguir sumariamente órgãos com prerrogativas constitucionais por meio de decreto. Além de desmontar o serviço público e retirar direitos conquistados pelos serviços públicos, bem como acaba com concurso público.
Também passou por lá o Projeto de Lei 3.729, conhecido como PL Antiambiental, que flexibiliza o licenciamento ambiental, que ameaça não somente o meio ambiente, mas também populações tradicionais e a sociedade em geral, pois elimina qualquer consulta a comunidades impactadas por qualquer projeto ou empreendimento.
Neste momento, outra materia claramente inconstitucional, o Projeto de Lei 49, chamado de PL Antidemarcação de terras indígenas, acaba de ter o relatório aprovado pela CCJ. O projeto não só inviabiliza novas demarcações como também abre as terras indígenas para garimpos e o agronegócio, além de tomar as terras de comunidades indígenas que tiverem “mudança em sua cultura”.
Trata-se de um ataque sistemático a todos os direitos coletivos garantidos na Constituição Federal de 1988, conquistados sob muita luta. Essas magtérias estão sendo votadas com toda pressa, com apoio da base governista, mesmo a prioridade do Brasil ser o combate à pandemia de coronavírus, com testagem e vacinação em massa.
Na apreciação do PL 490 da Antidemarcação, que também institui o marco regulatório, a CCJ aprovou um relatório de um projeto que altera o artigo 231 da Constituição, uma cláusula pétrea, o que singifica que, caso a proposta seja aprovada em Plenário, ela deverá ser declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Quem conhece um pouco da questão indígena sabe que o direito dos povos indígenas à terra é uma cláusula pétrea. Inclusive isto está sendo apreciado pelo STF, o que significa que a CCJ, além de não cumprir com o seu papel de analisar a constitucionalidade das matérias, também gasta tempo e recurso público votando projetos inconstitucionais.
Da forma que a Câmara está agindo, conduzida pela base governista, está jogando ao STF a responsabilidade de decidir futuramente sobre projetos que sequer deveriam ter passado pelo crivo da CCJ da Câmara. Especialmente sobre o PL 490 da Antidemarcação, uma proposta que se arrasta há vários anos e que foi resgatada com toda pressa na atual legislatura e em plena pandemia.
Dentro deste contexto, ao menos um alento, que foi o início ontem da operação de retirada de garimpeiros que atuam ilegalmente na Terra Yanomami, onde uma milícia vem afrontando as autoridades do país promovendo ataques sistemáticos a comunidades indígenas e até enfrentamento com policiais federais.
Enquanto isso, a CCJ da Câmara Federal visivelmente age como se estivesse a serviço do desmatamento, do ataque a terras indígenas e do desmonte do serviço público e dos servidores públicos em todos os níveis. É preciso que os deputados comprometidos com a sociedade analisem o que está ocorrendo e corrijam esses graves erros que atentam contra o país.
*Colunista