Jessé Souza

JESSE SOUZA 12273

Eles passam o trator mesmo e não estão nem aí para a História local

Jessé Souza*

O descaso com o patrimônio histórico do Estado de Roraima é antigo e não se resume aos destruidores atuais de nossa cultura. Onde hoje existe o Monumento ao Garimpeiro, no meio da Praça do Centro Cívico e em frente ao Palácio do Governo, existia um Obelisco, até 1969.

Por ideia de então forasteiros que acabavam de chegar embalados pela explosão da exploração mineral, o governo local foi convencido a derrubar o Obelisco para no lugar construir o monumento em homenagem aos garimpeiros.

Não houve sequer um acordo nem discussão para que fosse erguido em outro lugar, preservando o que já havia. Decidiu-se, e pronto! Foi semelhante o que ocorreu no Berço Histórico de Boa Vista, onde alienígenas recém-chegados foram decidindo sem ser contestados.

A Orla Taumanan, por exemplo, foi construída em cima do Porto do Cimento, por onde não só a cidade começou a surgir, mas também o próprio Estado de Roraima começou a ser ocupado. Foi simples assim: a Prefeitura decidiu apagar a existência do porto, erguendo por cima a plataforma baixa da orla e, para dar um aspecto de compensação, foi construído o Monumento aos Pioneiros.

A orla foi tão mal planejada que a plataforma baixa, que ficou por cima de onde existia o Porto do Cimento, alagou no primeiro grande inverno roraimense. Em seguida, houve inclusive uma ameaça de desabamento e a orla  está em obra de recuperação até hoje. E a História pagou o preço de quem não respeita o patrimônio local.

Fora outras barbaridades, como a construção da réplica da Intendência, que foi a primeira Prefeitura, de forma errada, virada para o lado errado, sem qualquer preocupação com o resgate histórico por meio de um estudo aprofundado.

Aliás, nem precisava ser um estudo aprofundado porque as fotos antigas mostram de forma bem clara a Intendência original. Tudo aos olhos das autoridades e dos que eram para defender nosso patrimônio e cultura.

Situação semelhante ocorreu com o tombamento de prédios históricos, entre os quais foram incluídos alguns que nem faziam parte da História. Um deles, um bar, foi incluído por pura jogada política que, logo em seguida, foi derrubado da mesma forma que foi recuperado e tombado: no silêncio.

E assim as decisões vão sendo tomadas por autoridades que não costumam ouvir nem respeitar os pioneiros muito menos a sociedade organizada. A Orla Taumanan, erguida sob denúncias de irregularidades do começo ao fim, é o maior símbolo desse descaso.

Atualmente, as autoridades sequer ligam para a recuperação dos prédios do Teatro Carlos Gomes e do Centro Cultural Irmã Leotávia, onde foi a sede do primeiro governo de Roraima no tempo de Território Federal, no Centro de Boa Vista.

Se a sociedade local bobear, qualquer dia desses a cidade amanhece com tratores derrubando esses prédios, como ocorreu com o primeiro hospital de Roraima, o Nossa Senhora de Fátima, ao lado da Casa João 23, no Berço Histórico de Boa Vista, e o prédio onde ficava a sede da Secretaria Estadual de Educação, na Praça do Centro Cívico.

Os governantes passam o trator mesmo. E não estão nem aí. Porque quem deveria proteger e fiscalizar não liga para os ataques à História e à Cultura locais. Apagar nossas memórias faz parte dessa política em curso no país, de negar e ultrajar tudo que diz respeito à ciência, à cultura, à arte e à educação.

 

*Colunista