A saúde pública vai mal, obrigado, enquanto o cidadão padece para conseguir atendimento médico Jessé Souza*
Enquanto a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Saúde da Assembleia Legislativa de Roraima poupa o governador Antonio Denarium (sem partido), a saúde pública não para de protagonizar crises, as quais refletem diretamente no atendimento ao público. O novo-velho enredo segue: mais um secretário estadual de Saúde, destaa vez Airton Cascavel, pediu para sair.
Depoimento de um dos ex-secretários, Allan Garcês, apontou que o irmão do governador o procurou em um restaurante a fim de interceder por uma empresa, apontada em irregularidade, para que recebesse uma fatura da Secretaria Estadual de Saúde (Sesau). O depoente também citou nome de dois deputados estaduais que o procuraram em busca de indicação de cargos.
Não só isso. O ex-secretário também afirmou que o então chefe da Casa Civil da época praticava ingerência deliberadamente na Sesau, como se fosse o governador. Aliás, dizia-se abertamenta, à época, que esse chefe da Casa Civil do Palácio do Governo tinha um gabinete paralelo que mandava mais que o governador.
Garcês foi quem procurou a CPI dizendo que tinha sérias revelações a fazer e chegou até a pedir proteção, exigindo também que os deputados fossem até Brasília colher seu depoimento, pois temia por sua vida se voltasse ao Estado de Roraima. Porém, quando chegou o dia de falar, as denúncias bombásticas não eram tão bombásticas assim.
Em vez de desconfiar da mudança repetina do comportamento do ex-secretário, indo mais a fundo nas investigações, os membros da CPI tentaram desacreditar o depoente, ignorando completamente o que ele disse sobre o irmão do governador. E chegaram a propor que o ex-secretário ressarcisse o gasto que a CPI teve para se deslocar a Brasília.
E tudo ficou por isso mesmo, com a saúde pública sofrendo a consequência de um sistêmico esquema de corrupção reiteradas vezes apontado por ex-secretários que deixam o cargo, o oitavo até aqui. O governador passa ao largo ao ter convencido a todos de que “nad sabia”, como se fosse um marido traído, o último a saber. Como a CPI ignorou o depoimento do ex-secretário, tempos depois uma operação da Polícia Federal acabou revelando o caso do dinheiro na cueca de um senador e a suposta participação de mais um senador e de um deputado federal na investigação que apura desvio de recursos federais enviados para o combate ao coronavírus.
Com toda essa gente graúda envolvida, não é de se estranhar a mudança de comportamento do ex-secretário no depoimento à CPI. Teria sido ele silenciado de alguma forma? Ou pressionado para não revelar tais esquemas, uma vez que Allan Garcez foi tirado do cargo justamente porque havia demitido um servidor que tinha ligação com o senador do caso da cueca? Naquele episódio, não só o secretário da Saúde foi tirado do cargo como o próprio governador nomeou como novo titular da Sesau o servidor que havia sido demitido por Garcez. E a investigação da PF aponta este servidor (hoje ex-secretário) como o operador do suposta esquema. E tudo passando ao largo da CPI que poupa até hoje o governador.
Enquanto a saúde pública não for realmente passada a limpo e desratizada, continuaremos assistindo a esse troca-troca de secretários diante de um governo que nunca sabe de nada. Enquanto isso, o povo continua sofrendo com um sistema de saúde precário. Só para se ter uma ideia do descaso, muitas famílias são obrigadas a pedir dinheiro, fazer vaquinha e a vender feijoada para conseguir pagar cirurgias no setor privado, pois o Hospital Geral de Roraima (HGR) sequer consegue realizar as cirurgias eletivas, as quais estão suspensas desde o início da pandemia.
É bom lembrar que, enquanto o governo nada vê e não é cobrado por esses desmandos, mesmo diante de depoimentos fortes na CPI, pais e mães de família estão pagando com a vida nos hospitais públicos; ou são obrigados a se submeterm à humilhação para conseguir dinheiro para pagar clínicas particulares. *Colunista