As longas filas do assistencialismo que nos proporcionam uma lição
Jessé Souza*
Não faz muito tempo, os críticos mais ácidos diziam que a Assembleia Legislativa do Estado de Roraima (ALE-RR) estourava recursos públicos de seu orçamento realizando ações que eram atribuições do Executivo estadual. Curiosamente, alguns desses críticos hoje estão no Comando do Legislativo, os quais não apenas decidiram manter como também começaram a ampliar a rede de atendimento da Escola do Legislativo (Escolegis), que era o principal alvo dessas críticas.
É fato que tais atribuições de promover cursos deveriam mesmo estar sob o comando do Governo de Roraima, caso houvesse uma administração realmente com visão de promover ações que colocassem nas mãos da população instrumentos que promovam formação necessária para o cidadão disputar o mercado de trabalho ou mesmo se prepare para concorrer ao vestibular.
Talvez os críticos das ações da Escolegis agiam por partidarismo mesmo. Ou caíram na mesma tentação de ter nas mãos um programa de apelo eleitoral. Ou enxergaram a importância desses programas para jovens que precisam de uma formação mínima visando conseguir seu primeiro emprego ou alcançar uma vaga no ensino superior em igualdade com tem dinheiro para pagar cursinhos preparatórios.
O fato é que realmente não só o Governo do Estado, como a própria Prefeitura de Boa Vista, deveriam estar na vanguarda na promoção de ações dessa magnitude para a população de baixa renda. Mas, ao invés disso, programas sociais importantes foram sendo extintos ao longo dos anos para no lugar se fixarem programas assistencialistas.
Por longos anos, a política de governo foi sempre o assistencialismo, com distribuição de cesta básica, programa este que nasceu do populismo mais clássico adotado no início da década de 1980, quando o povo era colocado na fila, que rodeava o Palácio do Governo, para receber buchada de boi, peixe, frango (chamado na época de galeto) e presentes a cada data festiva. No Natal, era a vez das crianças irem para a fila do presente.
Da buchada ao presente, todos recebiam o benefício das próprias mãos do “paizão” e da “mãezona”, no caso o governador e a primeira-dama. E assim manteve-se toda uma geração caladinha na fila do populismo e do assistencialismo como política oficial de governo. A fórmula deu tão certo que outros poderes passaram a agir da mesma forma, a exemplo de políticos pagando conta de luz, botija de gás, passagens aéreas e até mesmo cargos comissionados.
No caso da fila dos alimentos, era uma situação tão aviltante que, muitas vezes, a buchada ou o peixe estragava devido ao tempo que ficavam expostos ao sol escaldante enquanto durasse a fila dos beneficiados. Na fila do Natal, crianças e mães desmaiavam não só devido ao calor, como também pela fraqueza por não terem comido nada antes de sair de casa para enfrentar o dia de fila em pé, sem comer nem beber água.
Quem nasceu em Roraima provavelmente viu ou foi levado por seus pais e avós para uma dessas filas. O governador paizão doava até redes, mosqueteiros, bermudas (para os pais), vestidos (para as mães) e, se fosse um dia de sorte, o governador paizão dava até dinheiro vivo para aqueles com quem simpatizasse naquele momento repentino.
Hoje a fila de inscrição de cursos representa uma mudança brusca na atitude de toda uma nova geração. Pode até ser que políticos queiram se aproveitar eleitoralmente dessas ações, mas a formação proporciona dignidade às pessoas, que terão instrumentos para que possam caminhar com suas próprias pernas por meio da educação, sem esperar pela próxima fila do governo paizão.
É por isso que muitos governantes optam por investir em cestas básicas, preterindo intencionalmente a implantação de programas educacionais e profissionalizantes. Muitos políticos não querem um povo formado e bem informado. Ao proporcionar instrumentos que deem autonomia aos cidadãos, os resultados podem não ser imediatos, mas os frutos virão no futuro. Com certeza surgirá uma nova geração mais consciente.
Infelizmente, com esta migração em massa de venezuelanos, Roraima está vivenciando um triste exemplo de um país vizinho cujo governo não ensinou seu povo a trabalhar nem deu os instrumentos necessários para que as pessoas buscassem sua autonomia e dignidade. Fiquemos atentos no que podemos nos tornar, caso optemos pelo populismo e assistencialismo.
*Colunista