Jessé Souza

JESSE SOUZA 12368

O choro de um reverendo, a rapinagem e a dor da família de mais de meio milhão do mortos

Jessé Souza*

A cena que melhor resume a patifaria que levou o Brasil a registrar mais de meio milhão de mortos pelo coronavírus foi o choro do pastor em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, ontem, no Senado. Ele se autodenomina reverendo e se chama Amilton Gomes de Paula, que intermediava compra de vacinas entre o Governo Federal e empresas.

Enquanto o próprio presidente Jair Bolsonaro retardava a compra de vacianas e se negava a negociar com qualquer empresa, um grupo de achacadores, formada por policial militar, militar do Exército, pastor e parlamentar, negociava venda de vacinas em troca de propina. A demora para imunizar a população permitiu que milhares de brasileiros morressem esperando pela vacina.

Ao chorar em depoimento, assumindo que mentiu e agiu errado, ao mesmo tempo não revelou sua conexão dentro dessa trama sórdida em troca de 1 dólar por vacina. Esse choro não consola em nenhum momento a morte de 557.223 pessoas vítimas do coronavírus, as quais boa parte poderia ter sido evitada se o Brasil tivesse adotado uma política de imunização em massa há mais tempo.

Não há nada que possa consolar as famílias que perderem seus entes queridos enquanto se montava um grupo de achacadores do dinheiro público não só para a compra de vacinas, como ocorreu no gabinete do Ministério da Saúde, mas também em todo o país com recursos públicos destinado ao combate ao coronavírus, a exemplo do caso do dinheiro na cueca em Roraima.

O grupo da propina da vacina chama a atenção pelo fato de reunir essa gente que se enaltece como se fossem acima de todos pela religião, pela família e pela soberania nacional. O pastor intermediador da propinagem ainda se revelou um “agente de ajuda humanitária e embaixador da Paz”. É estarrecedor porque esse ato contribuiu diretamente para a morte de mais de meio milhão de pessoas.

Mas outros grupos agiram e continuam agindo na propinagem e na rapinagem do dinheiro público da saúde em todos os níveis de governo. Em Roraima, o escândalo da saúde pública continua sem explicação e a troca constante de secretários de Saúde é emblemática em um governo que nada vê e nada sabe. Não fosse a operação da Polícia Federal, jamais a opinião pública iria ter conhecimento de tanto dinheiro cabendo dentro de uma cueca.

É necessário que a CPI da Saúde local comece dar nome aos bois, pois o que se viu até aqui foi muita conversa para livrar o governo de suas culpas, mas com ninguém sendo apontado factualmente pelos casos de corrupção relatados por cada ex-secretário de Saúde que deixou o cargo. Até aqui, o que se sabe de nomes foi graças a operação da PF. E nada mais.

A CPI da Covid caminha apontando escândalos, enquanto a CPI local segue em um silêncio preocupante. Muitos roraimenses continuam morrendo diariamente graças à corrupção sistêmica que se instalou na saúde pública de longas datas e que seguiu nesse atual governo. É necessário dar um basta nisso. Toda a tragédia que se abateu sobre a população não pode resultar em um grande pizza.

Porém, pelo que se desenha em nível nacional, é difícil acreditar que essa realidade possa mudar em curto espaço de tempo, pois quem deveria estar lutando para acabar com a corrupção em todo o país, principalmnte na saúde, está com pensamento fixo no voto impresso. É um grande desalento.

*Colunista