Jessé Souza

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Denúncia ao Tribunal de Haia e um projeto de governo avançando em todas as frentes

Jessé Souza*

O Dia Internacional dos Povos Indígenas, celebrado ontem, 9 de setembro, foi marcado por um fato inédito: pela primeira vez, advogados indígenas saíram em defesa jurídica do seu povo, denunciando um presidente da República junto ao Tribunal Penal Internacional por crime contra a humanidade e genocídio. O denunciado ao Tribunal de Haia foi o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (sem partido).

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) acusa o presidente de ser o responsável por incentivar a invasão às terras indígenas brasileiras e os ataques aos povos indígenas, a exemplo do que vem ocorrendo na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, onde a invasão garimpeira segue firme e onde vêm sendo registrados sucessivos ataques a tiros e bombas de gás lacrimogênio desde abril passado até 05 de agosto.

De fato, quando ainda estava em campanha eleitoral, Bolsonaro veio ao Estado defender o garimpo, chamando Roraima de “a menina de seus olhos” em relação à riqueza mineral, e prometeu que nenhum milímetro de terras indígenas seria demarcado em seu governo. Essa promessa foi feita inclusive em um palanque aos pés do Monumento ao Gaimpeiro, na Praça do Centro Cívico.

Desde lá, antes do início de seu governo, o garimpo ilegal explodiu não só em Roraima, mas em outras regiões do país em áreas indígenas. Em outra ponta, sob liderança do governo, o Projeto de Lei 490, que acaba com demarcações de terras indígenas, tramita de forma veloz no Congresso Nacional, mesmo que a prioridade seja o combate à pandemia. Esse PL reúne os textos de todas as propostas antigas que retiram direitos constitucionais dos povos indígenas.

Da mesma forma que a base aliada do governo atropela qualquer tentativa de discutir ou barrar o PL 490, os garimpeiros continuam vorazes na Terra Yanomami, atacando os indígenas e destruindo os maiores reservatórios de água potável da região Norte do Brasil e a biodiversidade no coração da floresta amazônica.

A ação garimpeira é tão escancarada e aceita pelas autoridades, a ponto de o caso de uma aeronave que sumiu com sua tripulação, na semana passada, ao fazer um voo para o garimpo ilegal na Terra Yanomami, ser comentado abertamente, sem qualquer disfarçatez, mostrando que a garimpagem ilegal com apoio de aeronaves se tornou um caso banal.

É tão às claras que foi informado à imprensa que os próprios garimpeiros pegaram uma pequena aeronave e um helicóptero que dão apoio ao garimpo para fazer buscas por conta própria. E tudo isso aos olhos da Força Aérea Brasileira, que parece não ter qualquer controle sobre esses voos clandestinos, o que mostra o pederio econômico da atividade.

No Congresso Nacional, vários projetos que atacam direitos dos povos originários seguem com toda força, com apoio da base aliada do governo, a qual ataca também direitos de servidores por meio da Reforma Administrativa, avança na privatização, reduziu o valor do auxílio emergencial e retardou a vacina contra a Covid-19.

Significa não apenas os direitos indígenas sob forte ataque na atual conjuntura política, mas qualquer direito de minorias e do trabalhador brasileiro, especialmente o servidor público em todos os níveis que está sendo atacado. A Reforma da Previdência já passou. No setor ambiental, até o ministro foi flagrado fazendo esquema com madeireiras. Então, não se trata de uma única frente, mas de um projeto amplo de governo.

Enquanto tudo isso ocorre, parece que boa parte da população brasileira está encegueirada pela discussão de “voto impresso auditável”, tema este que tem servido para desviar a atenção para o desmonte que está sendo feito em todas as frentes. Pelo visto, somente os advogados indígenas esboçam reação em favor de seus direitos, ao apelar para o Tribunal de Haia, enquanto a maioria o povo finge estar em berço esplêndido.

*Colunista