Uma pincelada nos fatos a respeito da fala do ministro Barroso sobre eleições em Roraima
Jessé Souza*
Embora o vídeo em que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso comentava sobre as eleições em Roraima, no tempo do voto impresso, tenha sido usado para propagar fake news para insulflar a população contra o sistema eleitoral, o fato que não se pode negar (jamais!) são aqueles tempos obscuros das urnas de lona e das cédulas em papel.
Barroso chegou a brincar com a situação, afirmando que “eleição em Roraima não se ganha, se toma”. É só pesquisar no Google para relembrar esse período imoral e criminoso das eleições em Roraima. Tempos não só de prisões, mas do povo madrugando em frente de casa ou perambulando pelas ruas de seu bairro esperando alguém para comprar seu voto.
Antes de qualquer tentativa de fraude por meio dos corruptos, a fragilidade começava mesmo na véspera do dia da votação, quando o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) entregava ao presidente de cada mesa repectora de votos a urna de lona azul e as cédulas que iriam ser usadas no dia da votação para que levassem tudo para casa. Sim, cada urna de sessão eleitoral com suas respectivas cédulas eleitorais dormiam na casa desses voluntários.
Seria um absurdo se pensar, hoje, que cada voluntário indicado para presidir um local de votação levasse a urna eletrônica para sua casa, ainda que ele não tivesse condições de fazer qualquer tipo de fraude no equipamento. Mas, naqueles tempos, o voluntário levava para casa a urna e as cédulas em branco. E não havia nenhuma indignação pelos políticos (obviamente), muito menos por parte do cidadão eleitor.
Fora os casos de fraude na hora da apuração, conforme foi o assunto do comentário de Barroso, tudo devidamente explicado, depois de uma conversa com o senador Mecias de Jesus. Havia, sim, uma verdadeira articulação criminosa não só para a compra direta do voto do eleitor, mas também para fraudar o voto impresso de qualquer forma.
O caso mais emblemático de todos os tempos pode ser facilmente visualizado nos seguidos casos que envolveu o ex-parlamentar: Chico das Verduras. A ficha dele é um grande resumo do que o país viveu, principalmente nos mais longínquos torrões deste país, onde a polícia nem a Justiça costumam chegar em tempos de eleições ou fora deles.
Em novembro de 2014, quando era deputado federal, Chico das Verduras foi condenado a 4,8 anos de prisão, mais multa, pela 2ª Turma do STF, pelo crime de corrupção ativa. Em 1998, ele foi acusado de ter pago R$3 mil a uma funcionária do cartório eleitoral para obter 622 títulos de eleitor não assinados, mas apenas 112 chegaram a ter assinatura falsificada com ajuda do filho, da mulher e do irmão.
O mesmo político se envolveu em outros episódios. Em um deles, foi acusado pelo Ministério Público Eleitoral por prática de crime eleitoral e captação ilícita de sufrágio praticados nas eleições de 2010 em que foi eleito deputado federal. A acusação: prometeu aos eleitores o pagamento de taxas estaduais e isenção de despesas com autoescola para a obtenção de Carteira Nacional de Habilitação (CNH) em troca de votos. Por esta acusação ele teve seu mandato cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral de Roraima (TRE-RR).
Havia mais acusações, porém o MPE pediu que fossem retiradas as provas anexadas aos autos sobre quando a Polícia Federal prendeu em flagrante Chico das Verduras durante reunião ocorrida em sua residência, na qual foi prometido, em troca de votos, o sorteio de três carros novos com a quantia de R$ 10 mil em cada um. A Representação foi anulada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com o fundamento de que a gravação feita por um agente da PF infiltrado foi sem autorização.
Tem mais. Em 2006, já sob a Lei Ficha Limpa, Chico das Verduras foi acusado de distribuir sopa na perifeira de Boa Vista em troca de votos. Chegou a ser cassado pelo TRE e preso pelo crime eleitoral, o qual chegou a cumprir a sentença na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (Pamc). Às vésperas da eleição, quando foi eleito deputado federal, obteve habeas corpus no TSE, com a ressalva de “não mudar de residência, nem ausentar-se do distrito da culpa, sem prévia comunicação ao juízo”.
Obviamente que ocorreram outros casos, mas este foi emblemático pelos seguidos e insistentes casos registrados pela polícia e pela Justiça Eleitoreal, desde o tempo do voto em papel, os quais tiveram grande repercussão nacional. Ocorreram outros não menos escandalosos, como o caso que chegou até o STF, em que um aliado do então senador Romero Jucá (MDB), que era líder do governo da época, foi acusado de jogar R$ 100 mil da janela de um carro às vésperas do primeiro turno das eleições de 2010.
Relembrando tudo isso só para pontuar a fala do ministro Barroso, em tom de brincadeira sobre as eleições em Roraima. Não há como negar. De fato, em Roraima, principalmente quando a eleição era em cédula de papel, as eleições eram tomadas na cara dura mesmo, como se bate a carteira de um idoso ou se toma o pirulito de uma criança.
Talvez, por isso, muitos apoiaram a ideia de “voto impresso em papel” por chegarem a pensar que poderiam ter em mãos um comprovante de votação em papel em mãos para negociar a venda do voto como antigamente. Mas tudo não passou de uma manobra para tentar tumultuar um sistema eleitoral que, não faz muito tempo, apesar de tão arcaico, não suscitava qualquer indignação coletiva.
Porque, naquele tempo do voto em papel, estavam todos juntos e misturados na bandalheira eleitoral: políticos corruptos, emissários de políticos corruptores e toda raça de eleitores vendilhões de voto; se duvidar, até gente de toga.
*Colunista