O berrante está tocando, mas a crise tem falado mais alto na vida do brasileiro
Jessé Souza*
Depois da deprimente cena da fumaça de blindados velhos da Marinha na Esplanada, em Brasília, dificilmente as Forças Armadas irão ceder aos caprichos autoritários do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que almeja uma grande exibição militar no 7 de Setembro, Dia da Independência do Brasil.
Também para esta data o cantor sertanejo Sério Reis, aquele que sabe tocar berrante, está convocando uma grande paralisação de caminhoneiros e do setor produtivo do país. Também dificilmente os caminhoneiros atenderão ao tocar do berrante, pois a luta pela sobrevivência em um país afundado em crise não permite cruzar os braços nesse momento.
Até porque não se trata de nenhum protesto contra o preço do combustível ou pela carestia dos alimentos que sufoca o brasileiro, especialmente o trabalhador. O berrante está sendo tocado para defender os arroubos golpistas do presidente em favor do “voto impresso” e da destituição de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
As Forças Armadas já comunicaram que não haverá o tradicional Desfile de 7 de Setembro, sob justificativa de evitar aglomeração por causa da pandemia, o que descarta a possibilidade de Bolsonaro usar novamente os militares para seus delírios políticos com exibição de força militar como apoio ao seu governo.
As lideranças dos caminhoneiros também já disseram que não estão sabendo de nenhuma paralisão, o que significa a não adesão da categoria ao chamado do berrante de Sérgio Reis. Se a situação desses profissionais já está ruim, com uma paralisação ficaria insustentável para manter ao menos comida na mesa de suas famílias.
Não há clima para defender voto impresso ou retirada de ministros do STF diante do atual cenário de desemprego, preço alto dos combustíveis, carestia nos supermercados, perda do poder aquisitivo do assalariado e mais de meio milhão de pessoas mortas pela Covid-19 enquanto esperavam por vacina.
Parece que as lideranças bolsonaristas vivem em um mundo paralelo, onde os graves problemas da vida real do povo brasileiro não os alcança ou não os sensibiliza. Se algo não for feito para mudar este quadro de profundo desalento, os brasileiros irão experimentar a volta de um passado não muito distante, de uma profunda crise da qual ninguém estará salvo.
Talvez o fracaso anunciado de Sérgio Reis e seu berrante sirva para alguma lição, pois enquanto alguns alimentam suas taras por golpismo e por ações antidemocráticas, pais e mães de família estão lutando pela vida e muitos disputando ossada na porta do açougue porque não conseguem mais comprar carne.
O grande temor de pais e mães de família, neste momento, é não conseguir se alimentar direito. Que até seja justificável a necessidade de imprimir um comprovante de votação. Mas a maior preocupação do assalariado é com a impressão do cupom fiscal emitido pelo caixa do supermercado. Lá não tem perdão para quem não tem dinheiro para pagar a conta.
*Colunista