Mazelas expostas e o maior símbolo de inversões de prioridade que representam um alerta
Jessé Souza*
O inverno rigoroso em Boa Vista, que nem chegou a ser tão rigoroso assim como em 2011, acabou por revelar as mazelas que historicamente nunca foram resolvidas na Capital roraimense, que abriga 70% da população do Estado. Do Centro ao mais distante bairro, a grande necessidade é o esgoto pluvial, que provoca transtornos e prejuízos à população.
No Centro, o esgotamento de água das chuvas é um problema histórico, uma vez que as obras de drenagem são tão antigas que não atendem mais à vazão da água de qualquer chuva, uma vez que a cidade cresceu com esse grande déficit. Nos bairros, a maioria das localidades aguarda a chegada do esgoto, onde o rio de lama ocupa as ruas e invade as casas.
Como outra prioridade vem sendo deixada para trás, que é o ordenamento do trânsito a partir de um projeto verdadeiramente de mobilidade urbana, a menor chuva provoca um caos nas ruas e avenidas já congestionadas, onde faltam semáforos, passarelas para pedestres, alargamento de vias, ciclovias, viadutos e outras obras que aliviem a vida de condutores de veículos, ciclistas e principalmente pedestres.
No meio desse caos, estão as pessoas que dependem de transporte urbano, apinhadas em ônibus urbanos cada vez mais superlotados, pois o serviço mal planejado de táxi lotação não atende mais às necessidades urgentes do público que precisa se locomover para o trabalho, fazendo-o apelar para tudo, como moto táxi e “uber” clandestinos.
A situação só piora com a carestia do combustível e dos serviços de conserto e manutenção de veículos nas oficinas mecânicas, fazendo mais pessoas desistirem do transporte próprio para pegar ônibus e lotação. Para piorar o que já estava ruim, tem ainda o quesito violência urbana para influenciar.
Os transportes por aplicativos estão se negando a atender pessoas por causa da violência, principalmente se a chamada do passageiro vier de algum bairro mais distante do Centro. Nem precisa ser distante assim, como o 13 de Setembro, que está na lista da violência bem perto da área central de Boa Vista.
Como nos últimos anos a cidade foi preparada apenas para ter praças públicas reformadas, com miniaturas de animais, e obras de jardinagens em áreas centrais, obras de drenagem, transporte público e projeto de mobilidade urbana foram deixados para trás, transformando Boa Vista em uma cidade onde locomover-se tem se tornado um grande desafio a ser vencido.
Com o fator violência urbana, as praças reformadas nos bairros mais afastados estão sendo ocupadas pela marginalidade, com visível chegada do tráfico de droga, expulsando as famílias para que fiquem trancadas em casa. A praça do bairro Cidade Satélite, por exemplo, já está no “sinal vermelho” há um certo tempo, com jovens e adolescentes vendendo droga abertamente a qualquer hora.
Enquanto tudo isso ocorre, a Prefeitura parece congelada no tempo, pois temos um prefeito que se mostra amarrado administrativamente, sem qualquer experiência administrativa e sem tino político para sair das amarras de seu grupo, que visivelmente o colocou ali estrategicamente para ir fazendo o básico apenas ou para que siga a cartilha para a qual foi recomendado.
A população corre o risco de pagar um preço muito caro por essa inversão de prioridade escolhida pela Prefeitura nos últimos anos, cujo cume dessa escolha foi a construção de uma praça com um mirante às margens do Rio Branco, que parece ter sido planejada para não ser usufruída pela população, uma vez que sequer há um ponto de venda de água.
O Parque do Rio Branco é tão estranho que não há uma lanchonete, sequer um ambulante, para atender as necessidades básicas das pessoas durante um passeio, especialmente as famílias que levam suas crianças ao local. Para piorar, neste inverno, as casas ficaram submersas em uma lama verde e fétida que transbordou da calha acimentada e aterrada do igarapé Caxangá.
O Mirante do Parque do Branco é o símbolo máximo de uma política torta, com obras mal planejadas, que servem apenas de estética para ludibriar gente que ainda não sabe o que é viver em uma cidade grande com seus graves problemas. Mas esses problemas não irão tardar, caso não seja feito algo urgente para reverter tudo isso. O trânsito e os alagamentos são apenas dois deles.
*Colunista