Jessé Souza

JESSE SOUZA 12491

Enquanto uns comemoram, a realidade da infância entra em uma preocupante trilha

Jessé Souza*

Tudo muito bonitinho, dentro do vidrinho, com políticos comemorando o fato de Boa Vista estar sendo considerada “um modelo em políticas públicas para crianças”. Mas a realidade não é bem assim como alguns querem transmitir e outros pensam. Apenas praças com miniaturas de animais está longe de favorecer a infância roraimense que mais precisa de investimento.

Uma realidade preocupante está longe dos olhos de quem enxerga apenas a plasticidade de nossas praças. Quando os personagens da Turma da Mônica passaram pela Capital roraimense, caminhando pela Praça das Águas, na publicação nacional de Maurício de Sousa, eles não permaneceram o tempo suficiente para ver o que ali se passa quando a noite chega.

Toda extensão do complexo Ayrton Senna, onde está não só a Praça das Águas, como também o Portal do Milênio, Praça de Alimentação, quadras esportivas, bares e restaurantes, transforma-se em um longa e desafiadora trilha usada por crianças, especialmente venezuelanas, não só pedindo, mas também vendendo doces e balas até certa hora da noite.

De fato, Boa Vista está bem apresentada esteticamente com praças reformadas e enfeitadas de brinquedos. Isso não se pode constetar. Porém, no meio das crinças cujas famílias têm condições de levar seus filhos para um passeio começa a circular a realidade de pedintes e pessoas que vendem algo apenas para sobreviver, entre elas crianças.

Nos bairros, a situação é bem pior, pois o tráfico de drogas e a ociosidade de crianças e adolescentes são visíveis até mesmo durante o dia. Diante desse cenário, poucos pais se arriscam a levar seus filhos a esses locais, que têm se tornado ponto de aglomeração de imigrantes que buscam passar o tempo de qualquer forma diante de uma vida sem outra opção.

Longe dali, nos semáforos de cruzamentos mais movimentados da cidade estão mães com seus filhos de colo e outras maiores circulando entre os carros pedindo moedas ou algo para comer. O cenário se repete nas feiras e na entrada de supermercados. Na feira, há crianças comendo frutas lançadas no lixo pelos vendedores.

Não que devemos desprezar nossas praças, parques e outras áreas de lazer. Obviamente que não. Mas, enquanto recursos estavam sendo destinados prioritariamente para obras de praças, uma realidade preocupante se ampliava na Capital, com crianças em situação de risco, enquanto nenhuma política efetiva foi criada para enfrentar este novo cenário, o qual ainda é possível controlar.

Outra má notícia. A situação pode se agravar, pois uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) aponta que houve um aumento da população pobre em Roraima, Rio de Janeiro e Distrito Federal entre novembro de 2019 e janeiro de 2021. E foi justamente neste período em que a Capital roraimense mais ganhou reforma de praças públicas, por alguma coincidência do destino.

Houve aumento da pobreza e da extrema pobreza em toda as capitais, conforme os dados da FGV. Porém, o Estado de Roraima registrou um aumento muito grande da extrema pobreza devido ao fator da migração em massa de venezuealanos, movimento este que só tem aumentado este ano. Significa mais estrangeiros diariamente chegando e que estarão na realidade de pessoas sem qualquer perspectivas de entrarem para o mercado de trabalho.

Estar na pobreza não significa autorização para se tornar bandido, mas os reflexos da situação econômica acabam favorecendo o aumento da criminalidade, com crianças e adolescentes sendo a parte mais sensível desse quadro, pois estes acabam entrando para uma situação de vulnerabilidade extrema, como já é possível ver nas praças bonitas, iluminadas, bem arborizadas e com estátuas de bichinhos coloridas.

Então, em vez de estarmos apenas comemorando qualquer dado divulgado muitas vezes como material publicitário, é necessário que todos estejam preocupados com a realidade do momento que Roraima está passando, especialmente Boa Vista, que é uma Capital-Estado que abriga 70% da população.

É satisfatório ver praças bonitinhas e colodirinhas. Mas elas têm servido para desfilar as mazelas que ainda estão ocultas dos dados oficiais e da preocupação dos políticos. Ou as autoridades se mobilizam desde já, buscando alternativas e políticas públicas verdadeiras, ou teremos uma realidade bem ruim em curto espaço de tempo, com os ricos se trancando dentro dos shoppings e clubes, enquanto as praças se tornarão locais insuportáveis e perigosos.

*Colunista