Jessé Souza

A conquista de um Yekwana em meio a invisibilidade que reina na sociedade envolvente 12699

A conquista de um Yekwana em meio à invisibilidade que reina na sociedade envolvente

Jessé Souza*

Nada se ouviu, na mídia local, sobre um indígena Yekwana que se tornou mestre em Letras pela Universidade Federal de Roraima (UFRR). Muito menos ainda que este mesmo indígena ganhou o prêmio de  Melhor Dissertação pela Associação Brasileira de Literatura Comparada (Abralic).

A pessoa em questão é Fernando Yekuana Gimenes, cujo título da dissertação foi  “Os cantos tradicionais Yek’wuana”,  vencedora do Prêmio Dirce Côrtes Riedel Gestão 2020–2021, cuja pesquisa foi realizada pelo Programa de Pós-Graduação em Letras  (PPGL) da UFRR, cujo orientador foi o professor Fábio Almeida de Carvalho.

A concessão desse prêmio tem como finalidade reconhecer o mérito de trabalhos acadêmicos na área dos estudos literários. Mas o significado  maior é o que esse fato representa para os povos indígenas de Roraima, sempre acossados pelos anti-indígenas que os põem como vilões, “empecilho ao desenvolvimento do Estado”.

O prêmio faz jus ao esforço do autor, mas os frutos desse trabalho torna-se  um marco na luta pela preservação da cultura indígena, muitas vezes desprezada pela sociedade envolvente, que só consegue enxergar a questão indígena pelo viés ideológico pregado pelos políticos que defendem os grandes negócios, o garimpo e os projetos do governo, os quais excluem os mais pobres e as minorias.

A pesquisa em questão trata dos “maravilhosos cantos do povo ye’kwana”. Os cantos, não só na cultura Yekwana, como também para as demais etnias, representam “elementos importantes para as formas da vida e da cultura dos povos indígenas”. Quem já participou de qualquer solenidade em uma comunidade indígena sabe a atmosfera e a magia que representam os cantos.

O mestre Yekwana agradeceu a Wanadi por sua conquista. Wanadi é o ser supremo daquele povo indígena,  representado por uma garça branca. Fernando pertence à comunidade Fuduuwaaduinha, localizada no Rio Auaris, a qual foi envolvida no trabalho de pesquisa, seja na entoação dos cantos como na sua tradução.

Não se pode esperar reconhecimento por parte da sociedade envolvente, pois os olhos de muitos estão contaminados pela ostensiva campanha anti-indígena que reina em Roraima desde os tempos em que os políticos locais  colocaram os índios como “bode expiartório” diante de uma paranoia da internacionalização da Amazônia.

Por isso é necessário que esses avanços sejam enaltecidos e reconhecidos, pois existem outros indígenas produzindo, estudando, pesquisando, batalhando, inclusive fora do Estado, em favor de suas comunidades e do reconhecimento da cultura e de seus valores tradicionais.

Estão invisíveis porque os donos do poder assim os querem, pois não interessa a eles o que não lhes dá algum lucro ou retorno eleitoral. Nas comunidades, há muitos jovens e adolescentes que estão esperando por  uma oportunidade para também mostrarem os seus valores. E eles estão surgindo, apesar de todas as barreiras impostas pela política que enxerga no indígena um “atraso”.

Essa conquista Yekwana é mais uma dentro de um movimento silencioso que ainda precisa ser descoberto para que a sociedade aprenda sobre a grande riqueza que é a cultura indígena e a importância dos povos indígenas para uma nova sociedade menos injusta que tanto almejamos para todos.

Muitos ainda irão se surpreender pelo que ainda estar por vir…

*Colunista