Opinião

Opiniao 12786

Para Jaider Esbell

Eva Potiguara

Pássaro encantado,

Das linhas e formas.

Irmão das luas e sóis,

Herdeiro das dores sem fim…

Venho cantar-te  sem rimas,

Tal como uma hunhatain,

Rabiscando seus primeiros passos

À  sombra da irmã árvore Wazacá.

Hoje o dia amanheceu chorando,

Porque Guaracy não te encontrou na janela.

Mas Makunaima assoviou ao vento,

Que ele e o seu irmão Enxikirang,

O esperavam num dourado milharal,

Cercado por frutas e flores perfumadas.

Fostes escolhido antes da vida uterina,

Como mensageiro da Pachamama.

Os Teus olhos de açaí enluarados,

Nasceram na primavera das florestas.

Teus mergulhos com a mãe d’água

Até as profundezas da Terra,

Te revelaram os tons de luz e sombra,

Os desejos e necessidades,

Dos teus irmãos da fauna e flora.

Juntos, eles te bendizem agora:

Vem Pássaro Encantador,

Vem!  Agora descansa no colo de tua vó…

Escuta a sua canção sagrada de amor!

Eu aqui ouço tecendo os meus rezos por ti,

Desejando voar nas tuas asas,

Para ouvir o teu rizo de kurumim livre e feliz.

Pássaro Encantado,

Semeador artivista do bem viver indígena,

Atalaia de resistência do Ninho Mãe Terra,

Tuas sementes em linhas, formas e cores,

Não morrerão jogadas ao vento…

Elas irão vingar e brotar

Nos quatro cantos desta Terra!

Declaro perante as tuas Belas Artes,

Enquanto tu e os encantados velam por nós,

Pelos nossos irmãos e irmãs da fauna e flora,

Eu e muitos outros deste Ninho Mãe,

Seremos multicores de vozes e olhares aqui.

Eva Potiguara, para o seu irmão Jaider Esbell, que se tornou Pássaro Encantado e voou para o colo da Mãe Vó Macuxi.

Máquina pesada

Afonso Rodrigues de Oliveira

“Há uma só máquina gigantesca operada por pigmeus: é a burocracia”. (Arthur Schopenhauer)

Já somos tão viciados em criticar o Brasil, que nem nos tocamos para o que somos em relação ao mundo em que vivemos. A burocracia faz parte, só não sei se do avanço ou do atraso racional, da humanidade. O que faz com que nos desgastemos, quando poderíamos nos fortalecer. Ontem, casualmente, saquei da estante, um livreto pequenininho, mas carregado de uma sabedoria inconfundível.

Em mil novecentos e oitenta e sete, eu estava em São Paulo e certo dia, saindo de uma estação do metrô, surpreendi-me. Na saída da estação do metrô estava um camelô vendendo livros usados. Aproximei-me e me encantei com o livreto do Antônio Augusto Arantes: “O que é cultura popular”. Era um exemplar na sua 11ª edição, publicado em 1981. Ontem pegando o livrinho, casualmente, abri-o e adorei quando reli algo que me chamou a atenção para os desmandos culturais atuais.

O autor fala, por exemplo, de como “O Brasil é um cadinho democrático de raças”. E que por isso nossa cultura é uma fusão de expressões, dizeres e maravilhas que sempre nos divertiram sadiamente. Esta é minha opinião. Porque o autor do livro fala das falas que falávamos misturadamente e sem o barulho mental do preconceito. Ele usa, no livro, várias expressões que usávamos à época, sem nenhuma ofensa. Uma das expressões usadas e que usávamos muito e sem ofensas nem racismo, era e está no livro, na página 12: “Quando um negro não suja na entrada, suja na saída”.

Acredite, fiquei um tempão parado aqui, diante do computador, receoso de falar sobre isso, temendo que algum cabeça-de-camarão se ofendesse e até me processasse. E nem sei por quê, lembrei-me da burocracia. Coitada, não tem nada a ver com isso, mas sem ela, já poderíamos estar
um pouco mais adiantados na cultura universal, sem o receio de chamar um ser humano preto, de negro, sem ser considerado um racista. Vamos parar com esse carrossel de ignorância e viver o mundo e a época que estamos vivendo.

Vamos acabar em vez de ficar alimentando, com essa estupidez do preconceito? Afinal somos todos iguais nas diferenças. E nunca seremos iguais enquanto não respeitarmos as diferenças. E nunca as respeitaremos enquanto não soubermos realmente o que somos, independentemente da cor da nossa pele, ou o tamanho do nosso corpo. Vamos parar com essa estupidez de alimentar, nutrindo nossa ignorância. Vamos caminhar na linha da racionalidade. Quando nos ofendemos com o idiota é porque estamos nos igualando a ele. “Não há bobo mais bobo do que o bobo que pensa que eu sou bobo”. Pense nisso.

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