Motoristas de apps como vilões enquanto o transporte público definha
Jessé Souza*
Um dos assuntos mais polêmicos nesses últimos dias está sendo a questão dos transportes por aplicativo, em que os motoristas dessas empresas têm se tornado vilões, quando a verdade dos fatos é que eles são tão vítimas da crise pela qual passa a população, que sofre com os seguidos reajustes no preço da gasolina, dos alimentos e demais produtos.
O fato que está oculto nessa polêmica é que os transportes por aplicativos são um serviço particular ofertado por empresas. Não se trata de um transporte público, a exemplo dos ônibus, do táxi lotação e do moto táxi. Devido à deficiência do serviço de transporte público, as pessoas acham que os aplicativos (apps) podem se igualar a preços de um lotação, por exemplo.
Os apps foram criados para um público de melhor poder aquisitivo e, a partir de quando foi se popularizando, passou a competir com os táxis tradicionais e, por último, abriu para um público mais abrangente, a ponto de os passageiros passarem a negociar valores cada vez mais baixos das corridas, o que é impraticável diante da inflação, com aumento excessivo não só do preço da gasolina, mas da manutenção e das peças de reposição etc.
O que está ocorrendo é que a população está desviando o foco da questão e deveria estar cobrando melhoria no sistema de transporte coletivo, principalmente nos ônibus urbanos, serviço este que passou a sofrer dura concorrência com o lotação e, por último, com o moto táxi, em um canibalismo que só aumentou a partir da chegada e popularização dos apps.
Os ônibus urbanos nunca foram tratados com prioridade, como instrumento de melhoria da mobilidade urbana, evitando que mais pessoas sintam-se obrigadas a ter seu próprio transporte, nem que isso endivide ainda mais pais e mães de família, contribuindo para aumentar a frota de veículos em circulação e, por consequência, o caos no trânsito, setor esquecido pelas autoridades, conforme o artigo de ontem.
Os apps não podem pagar o preço, sozinhos, pelo sistema precário do transporte público boa-vistense. É do poder público municipal que a população deveria estar cobrando melhoria no serviço de transporte público e melhorias na mobilidade urbana, garantindo qualidade de vida a quem precisa se locomover para trabalhar ou mesmo para momentos de lazer.
Esse é o grande foco da questão. Os motoristas de apps não são o grande problema, como estão querendo fazer a opinião público crer. Eles também são vítimas do caos em que se tornou o serviço de transporte urbano, em que as pessoas buscam se livrar do transporte público, mas passando todo o ônus para esses serviços de aplicativos.
Somos uma Capital pequena, não só populacionalmente como geograficamente, por isso deveríamos ter um serviço de transporte público não apenas eficiente, mas também exemplar para qualquer cidade brasileira. Mas não é isso o que vemos. E parece que o problema passa ao largo inclusive de quem deveria estar trando do assunto, como os vereadores.
Complementando o que foi abordado aqui, no artigo de ontem, o problema do trânsito, da mobilidade urbana e do sistema de transporte público precisa de atenção urgente por parte dos gestores e de nossos políticos, sob penas de Boa Vista se tornar, em pouco espaço de tempo, a pior cidade para se locomover e, consequentemente, para se viver.
O tempo urge. E não surge ninguém interessado em discutir isso abertamente, chamando a responsabilidade para apontar soluções para as grandes questões que estão surgindo. Talvez por isso é muito cômodo alimentar a polêmica sobre os apps, enquanto os verdadeiros culpados são poupados das críticas e de suas responsabilidades para as quais foram eleitos e bem pagos com o dinheiro público.
*Colunista