Viaturas policiais espetacularizadas e o crime seguindo com suas vítimas
Jessé Souza*
Enquanto a população esperava, com anos de atraso, por uma nova segurança pública para frear a criminalidade em Roraima, o Governo do Estado fazia ao menos duas carreatas para exibir as novas viaturas da polícia, mantidas estacionadas por um bom tempo em frente ao Palácio Senador Hélio Campos, na Praça do Centro Cívico Joaquim Nabuco.
Em uma noite, o governador Antonio Denarium (PP) saiu em carreata com sirenes das viaturas ligadas pelas avenidas da cidade. Em outra noite, fez nova carreata, desta vez em um evento esportivo no Estádio Canarinho. E, no meio de tudo isso, o lançamento de sua pré-candidatura e de seus aliados, como se a população estivesse satisfeita com a atual situação.
Para um bom entendedor, ficou óbvio que toda essa festa política está interligada como parte da estratégia eleitoral antecipada, como vêm fazendo os demais políticos, que também estão em campo com suas campanhas antecipadas, seja em visitas ao interior ou em showmícios disfarçados de “prestação de conta do mandato”.
Enquanto o festejo governamental ocorria, mais um assassinato foi registrado no Vila Jardim, um corpo desovado novamente no bairro São Vicente e outro motorista de aplicativo assaltado em uma tentativa de latrocínio. Fora os crimes no interior do Estado. Cenas repetidas da insegurança pública que é real, as quais são repercutidas na imprensa local e nas redes sociais de forma isolada.
Depois da espetacularização das viaturas policiais, neste fim de semana de feriado prolongado, mais cenas da criminalidade: no sábado, um homem assassinado a tiros no bairro Caimbé; no domingo, o corpo de um homem foi encontrado, sem braços, boiando em um lago no Anel Viário; no Município de São Luiz do Anauá, o corpo de um homem foi encontrado em um igarapé apresentando sinais de violência.
Parece que já vimos esse filme em outro governo, quando foi implantado o “Ronda nos Bairros”, programa semelhante a este atual, o “Polícia na Rua”, inclusive com viaturas alugadas também de uma empresa amazonense. Não deu certo no passado por falta de uma política efetiva de segurança pública e, pelo que se está apresentando, também pode não dar certo se continuar sendo tratado como espetáculo político visando as próximas eleições.
A verdade é que nunca faltou carro de polícia nas ruas. Mas eles desfilam em destaque no complexo Ayrton Senna, no Centro, ou só aparecem, todas juntas, quando encontram um corpo desovado em algum lugar da cidade. O que significa que sempre faltaram gerenciamento e estratégia em uma Capital do tamanho de um bairro de uma grande cidade, enquanto a polícia desaparece na periferia quando a população mais precisa.
Em outra ponta, é preciso observar que uma política de segurança pública nunca funcionará quando um bom número de policiais está cedido para gabinetes parlamentares ou encostados nas guardas dos poderes constituídos ou em outros órgãos; ou tirando plantão para vigiar condomínio de magistrados. A constatação: a sensação é de que existem mais policiais protegendo autoridades do que a população.
O próprio caso do sequestro, ameaça de tortura de um jornalista, em outubro do ano passado, mostrou isso, quando cinco policiais militares acabaram presos, os quais estavam servindo ao Gabinete da Presidência da Assembleia Legislativa da época. E quanto outros policiais civis e militares estão cedidos para gabinetes e para aquele Poder Legislativo?
Outro fato é que a segurança pública tem servido mais para eleger policiais civis e militares na Assembleia Legislativa (lá tem um soldado, um coronel, um agente e um delegado) do que para manter o sono tranquilo da população roraimense. A depender da espetacularização que se tornou esse novo programa anunciado pelo governo, surge uma grande desconfiança na cabeça do cidadão, que já acreditou em outras promessas.
Não há outra saída para o cidadão que não acreditar que a realidade possa melhorar. Mas já se sabe que a questão de segurança pública não depende apenas de mais polícia na rua. É uma questão mais ampla, que não se vê agora, nem se viu em outros governos, como política efetiva para se implantar outras políticas de governo. Em contrapartida, a bandidagem está organizada há tempos, enquanto o governo patina.
Se não houver organização e estratégia, o que a população irá ver, nos próximos dias, serão viaturas reluzentes se topando no complexo Ayrton Senna enquanto a população não consegue atendimento na periferia porque não há viatura disponível no momento. Enquanto isso, os crimes irão continuar ocorrendo, com a polícia “enxugando gelo” por falta de gasolina, de efetivo, de estratégia e de política efetiva de governo, como foi visto em outros governos.
Afinal, o crime está organizado há muito tempo no país e está inclusive realizando obras que o governo não faz, como ocorreu no Rio de Janeiro… A propósito, o Vila Jardim, no bairro Cidade Satélite, é o exemplo de que o poder público local não consegue ser efetivo frente a ação dos criminosos. Resta acreditar que a segurança pública possa reverter esse quadro.
*Colunista