A realidade do salve-se quem puder do trânsito boa-vistense
Jessé Souza*
O semáforo do cruzamento das avenidas Getúlio Vargas e Silvio Botelho é o ponto mais movimentado do Centro de Boa Vista, por onde passa todo o fluxo de táxi lotação e ônibus das linhas urbanas, além dos veículos que atravessam para as zonas leste e sul da cidade, fugindo do trânsito conturbado na “bola” da Praça do Centro Cívico Joaquim Nabuco.
Neste cruzamento, na manhã desta segunda-feira, por volta das 9h30, um taxista de lotação atravessou irresponsavelmente no sinal vermelho, passando por entre as motos que geralmente arrancam na frente. Por muito pouco não ocorreu um grave acidente. O taxista sequer se mostrou surpreso. O fluxo seguiu como se fosse uma cena normal.
No domingo pela manhã, a poucos metros dali, um condutor atravessou indevidamente a “bola” do Centro Cívico e provocou um acidente com mais dois carros, dos quais um capotou. Apesar da gravidade da colisão, ninguém saiu gravemente ferido. Embora as fortes imagens tenham circulado nas redes sociais, nada foi registrado pela imprensa.
Na noite de domingo, outros graves acidentes ocorreram possivelmente em consequência de excessos de bebida alcóolica dos condutores durante a decisão da Libertadores. No entanto essas cenas tornaram-se corriqueiras no trânsito boa-vistense independente do dia da semana e da realização de eventos importantes ou feriados.
A semana passada, por exemplo, foi marcada por graves acidentes com registro de mortes. No dia 26, um jovem militar do Exército morreu na colisão da moto que ele conduzia com uma bicicleta, no bairro São Bento. Três dias antes, dia 23, vários acidentes ocorreram naquela mesma data em vários pontos da cidade.
Em um deles, na área central da cidade, um motociclista saiu com fratura em um dos braços ao colidir contra um carro no cruzamento das avenidas Benjamim Constant e Santos Dumont, no bairro São Pedro, onde recentemente um cinegrafista de uma TV local morreu no mesmo local em circunstância semelhante.
No mesmo dia 23, também em uma área central, um condutor morreu durante colisão entre dois carros no cruzamento das ruas Alferes Paulo Saldanha e Dom José Nepote, no bairro São Francisco. O carro que invadiu a preferencial era conduzido por um pastor venezuelano que não tinha habilitação para dirigir.
Embora seja visível a imprudência e a irresponsabilidade dos condutores, onde até estrangeiro não habilitado sentem-se à vontade para sair dirigindo pela cidade, o problema no trânsito roraimense vai muito mais além, numa espécie de junção da fome com a vontade de comer. O poder público tem sua grande parcela de culpa por não agir para reverter esse quadro.
Só para se ter noção da imobilidade de nossas autoridades, os acidentes continuam ocorrendo naquele cruzamento das avenidas Benjamim Constant e Santos Dumont, quase em frente à sede do Ministério Público, onde morreu o cinegrafista de uma TV local, sem que nenhuma providência fosse tomada depois dessa tragédia.
Já que a instalação de um semáforo é uma raridade em Boa Vista, e não há cobranças por parte dos vereadores, como se instalar sinaleira fosse algo de outro mundo, aquele cruzamento deveria ter sido eliminado com colocação de blocos, por exemplo. Nem mesmo a morte de um funcionário da imprensa sensibilizou uma cobrança mais incisiva e as autoridades municipais sequer se mobilizaram para fazer algo.
E assim ocorre com as autoridades estaduais, cujo maior feito anunciado em institucional até aqui é a construção de um “moderno prédio” para abrigar a sede do Departamento Estadual de Trânsito (Detran), como se isso fosse o maior feito no trânsito, sem que exista uma campanha educativa ou um outro programa visando enfrentar essa grave situação. Nem mesmo estatísticas são divulgadas, talvez até para esconder a realidade.
Se o poder público não age, cuidando da sinalização (a carência de semáforos é flagrante), da educação e conscientização, bem como das condições das vias, os cidadãos também sentem-se à vontade para transgredir, principalmente numa cidade onde o poder público deixa os vácuos que alimentam impunidades e irresponsabilidades. E o resultado é visto no grande número de acidentes trânsito que se tornaram corriqueiros.
Aliado a isso, temos uma flagrante deficiência na engenharia de trânsito e em mobilidade urbana, fazendo com que o conturbado trânsito boa-vistense avence para o caos, motivando ainda mais o número de acidentes no predisposto comportamento irresponsável de muitos condutores. É o que completa a realidade da fome com a vontade de comer, que resulta nas tragédias diárias nas ruas e avenidas da Capital.
Estamos no modo salve-se quem puder!
*Colunista