Um cheiro de calabreza e mussarela pode ser sentido de longe
Jessé Souza*
O relatório final da Comissão Parlamentar Inquérito (CPI) da Saúde na Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR) não trouxe nenhuma novidade além do que a Polícia Federal já havia exposto depois da operação policial que flagrou o dinheiro na cueca do senador Chico Rodrigues (DEM), no ano passado.
Conforme esta coluna já vinha comentando, por longos dois anos a CPI vinha fazendo malabarismo e contorcionismo para livrar o governador Antonio Denarium (PP) e seus aliados políticos de quaisquer responsabilidades pelos fatos que vinham sendo apontados, especialmente depois do depoimento do ex-secretário estadual de Saúde, Allan Garcês.
Antes de depor e exigir que os membros da CPI fossem até ele, em Brasilia, alegando correr riscos, em postagem nas redes sociais e em entrevista à imprensa, Garcês ameaçava fazer revelações bombásticas sobre corrução na saúde. Porém, na hora do seu depoimento, passou a adotar outra postura, mostrando visivelmente que algo aconteceu.
Apesar de mudar de tom, o que o ex-secretário falou não poderia ter sido considerado “irrelevante”, conforme tentavam fazer crer os membros da CPI. Só o fato de ter citado o irmão do governador por ter se apresentado como intermediário de uma empresa sob suspeita já mereceria uma acurada investigação.
Conforme foi declarado, a intermediação pelo irmão do governador foi para que a Secretaria Estadual de Saúde (Sesau) pagasse uma das empresas que apresentava irregularidades no contrato para fornecimento de medicamentos de alto custo e insumos para o Estado. Tratava-se de empresa já sob suspeita, que estava inativa na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) quando foi recontratada sem licitação.
A situação daquela empresa era a mesma das demais fornecedoras e prestadoras de serviços, que desde o governo anterior vinham sendo mantidas pela Sesau sem formalização de contrato licitatório, apenas por meio de processo indenizatório e processos emergenciais. Quando assumiu como interventor, em dezembro de 2018, Denarium não apenas manteve a irregularidade como prosseguiu com esses contratos até a operação da PF.
Garcês também afirmou ter recebido parlamentares que foram até ele para pleitear cargos e alegou ainda que o então chefe da Casa Civil tinha ingerência na folha de pagamento da Sesau. Mas tudo isso foi ignorado, inclusive o relatório final apresentado pela CPI textualmente tenta não apenas amenizar essas denúncias como desqualifica o depoimento do ex-secretário.
Não custa lembrar que Garcês foi exonerado do cargo após ele demitir o então secretário adjunto, Francisco Monteiro, que na época foi denunciado por assédio sexual e moral contra uma servidora, conforme foi relatado no depoimento do ex-secretário à CPI. Além de reconduzir o denunciado, o governador o premiou como novo secretário de Saúde.
Para surpresa de todos, mais tarde, o então novo secretário acabou sendo um dos alvos da operação da PF, sendo apontado nas investigações como a pessoa de confiança que intermediava com assessores e familiares do senador que foi flagrado com dinheiro durante a mesma operação policial.
Significa que, após dois anos de atividade, a CPI da Saúde encerra seu relatório apenas ratificando o que já vem sendo investigado pela PF, não trazendo nada de novo e confirmando tão somente a posição de que o governador “nada sabia” e que, por isso, está livre de qualquer responsabilidade.
E do desentendimento de deputados, ensaiado após a leitura do relatório final, parece exalar o cheiro de uma tradicional pizza de calabresa e mussarela…
*Colunista