Opinião

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Outro rumo — não importa quão louvável seja

Sebastião Pereira do Nascimento*

A pessoa humana, acima de tudo, é um animal imperfeito que carece a todo momento de ser reinventado pela necessidade de aperfeiçoar a sua mente racional. Isto passa a ser uma obrigação primordial, visto que no íntimo, o homem tem ao lado de suas melhores essências, a essência brutal. A qual pode ser estimulada na medida em que ele resiste em não antecipar a sua racionalidade, abrindo espaço para legitimar o seu lado medonho, passando ser vítima de sua própria estupidez e fazendo vítimas da sua ignorância.

Portanto, é preciso sempre o ser humano olhar em direção oposta para que tenha domínio de sua consciência. Pois, quanto mais ele se manifesta racionalmente, mais ele se torna consciente de si mesmo e quanto mais ele se torna consciente de si mesmo, mais ele se torna lúcido. E como um sujeito lúcido, ele não se anula diante das incertezas, não se deixa induzir por ideias abjetas e não passa desenvolver o seu lado brutal.

Aqui no Brasil, nos últimos anos se tem observado o aumento desse lado brutal, principalmente com a indesejável eleição de Jair Bolsonaro para presidente da república. Um ser doentio e ausente de empatia que jamais ressalta qualquer compadecimento pelo ser humano. Diante do processo eleitoral passado, Bolsonaro percebendo que havia uma parcela da população brasileira que age e pensa como ele, se aliou a tal, e juntos passaram externar os mais tóxicos sentimentos, incitando o lado cruel de outra parte da população conservadora, ou seja, abriu-se janelas para aqueles que se sentiam enjaulados. Os mesmos que elegeram o maldito presidente. Hoje, o pior presidente do Brasil de todos os tempos. Um presidente escolhido pelos desajustados, os imorais, os devassos, os impulsivos, os corruptos e os violentos.

O fato é que essas pessoas perderam a capacidade de reagir às imperfeições humanas, deixando aflorar o seu lado demônio, colocando em prática suas mais ardilosas essências. É exatamente assim! Basta um estímulo maior para que aqueles — os mais fracos — percam a capacidade de lucidez e passem a praticar coisas amorfas, deixando fluir nas veias as piores essências humanas. No caso de Bolsonaro, passou de um sujeito indecoroso a um sujeito indecoroso e irresponsável que age sistematicamente em favor da miséria, da violência e da imoralidade. Sempre agindo contra as melhores essências humanas.

Igualmente a Bolsonaro, seus adeptos também praticam a corrupção, robustecem o pensar ardil da religião, praticam ações contra o meio ambiente, destilam o nefasto ódio e aversão ao outro — aos negros, aos índios, aos pobres, à liberdade de gênero, etc. Também, tanto Bolsonaro quanto seus pares, vêm ardilosamente, e sem nenhum escrúpulo, pregando mentiras em favor da disseminação do coronavírus, contrapondo as vacinas e as recomendações sanitárias preconizadas pela ciência.

Noutro cenário, muitos daqueles que elegeram o Bolsonaro vêm pulando do trem descarrilhado, numa nítida atitude de arrependimento — ou amiúde pela própria vaidade como de alguns políticos e ex-ministros — mas que levarão para o resta da vida essa façanha presa à sua consciência. Isso demonstra que a atitude de cada um de eleger Bolsonaro, prende-se ao menos a uma ideia deplorável defendida pelo então candidato. O que é muito pouco para continuar apoiando o sujeito no palácio do planalto, diferente daqueles que ainda o apoiam e defendem todas as suas ideias indecorosas — elementos iguais ou até piores do que o próprio Bolsonaro.

  

Contudo, ainda há tempo de cessar a sua vida hedionda e passar a praticar exemplos fecundos no intuito de deixar fluir as melhores essências: as frutíferas essências humanas. Portanto, está na hora de pensar o seu papel diante da sociedade. Pensar no que você representa para o teu próximo. Pensar qual o peso ético e moral diante de suas ações. Quanto à negação da atual pandemia, é oportuno você se perguntar a quem você quer atingir, senão a você mesmo ou a sua família — aqui é preciso recusar a fala recente de Bolsonaro quando diz que a variante ômicron é bem-vinda, portanto, nenhum vírus que mata é bem-vindo!

É tempo de desfazer de sua insana ferocidade, e perguntar a quem você quer atingir, senão a você mesmo, quando pronuncia turbilhões de ódio e aversão aos avanços sociais que tivemos no Brasil durante a primeira década do presente milênio. Quem você quer atingir quando divulga fatos e acontecimentos fora da realidade, senão apenas satisfazer a sua vontade histriônica, querendo se aparecer e ser o centro das atenções ou querer notoriedade a todo custo ou ainda buscar incessantemente a autopromoção através de desejos imoderados. Quem você quer atingir quando pratica a injúria e o racismo, senão apenas diminui a si mesmo.

É hora de pensar o que você faz de benefício para a humanidade, para o meio ambiente, para a sua família. É hora de perguntar o porquê de o dinheiro ser mais importante para você do que a riqueza humana. O que faz você se achar mais importante ou mais belo do que o outro. O que de pior tem uma arma senão para ferir a si mesmo ou sacrificar o outro. É hora de questionar o porquê você perdeu a sua capacidade humana de resolver seus problemas, sem ser através da corrupção ou violência mortal. Finalmente é hora de se perguntar se você é realmente humano?

Portanto, sem esses questionamentos e respostas, logo a sua vida deverá exceder o inferno e pesará sobre seus ombros, o arrependimento e a triste realidade de um ser derrocado. Isto tudo pelo fato de você está se guiando — que seja por esse momento e pela vida toda — a partir de uma única verdade. A sua verdade perturba. Assim como vem fazendo impetuosamente o atual presidente da república, onde num mundo de 7,7 bilhões de pessoas, ele vem atormentado por ter ao seu lado apenas seus áridos lacaios, pois os demais seres da terra seguiram outro rumo, não importa quão louvável seja, mas que não seja o mundo de Bolsonaro.

*Filósofo, zoólogo e escritor. Autor dos livros: “Sonhador do Absoluto” e “Recado aos Humanos”. Editora CRV. Coautor de “Vertebrados Terrestres de Roraima”, publicado no caderno cient
ífico BGE.

Cuide do inimigo

Afonso Rodrigues de Oliveira

“Tome cuidado apenas consigo mesmo e mais ninguém; trazemos nossos piores inimigos dentro de nós”. (Charles Spurgeon)

Nem sempre estamos atentos aos inimigos que trazemos dentro de nós mesmos. Sentei-me aqui para falar de um dos casos antigos que vivi e contei pra você. Mas, com certeza não falei sobre este. Foi logo que cheguei a Roraima, em 1981. Instalei-me na Confiança I, no Cantá. Foi aí que tudo aconteceu. O caso é longo, então vamos para o final. Vizinho ao meu lote estava um também meu vizinho, em Boa Vista. Um grande amigo meu, que se chamava Joaquim. No seu lote ele plantava abacaxis. Os anos se passaram e as coisas mudaram. Mas nossa amizade continuou até seu falecimento, muitos anos depois.

Eu já lecionava na escolinha, na Confiança I, e morava em frente à escola. Todos os domingos o Joaquim ia a seu lote, fazer revistas e pegar frutas. Ele sempre passava pela meinha casa, tomávamos um café e ele seguia para o lote. Naquele sábado, um dos meus filhos foi me visitar, e quando ele saiu, sugeri que ele passasse pelo lote do Joaquim, e pegasse um abacaxi, para o seu lanche. Entre mim e o Joaquim havia essa liberdade.

No domingo o Joaquim chegou à minha casa, acompanhado pelo seu filho, Francisco, taxista de Boa Vista. Tomaram o café e seguiram para o seu lote. Logo mais, minha amiga Ana, namorada de um dos meus filhos, estava se mudando para Boa Vista, e me levou um saco cheio de abacaxis, que ela colhera antes de sair do seu lote. Deu-me os abacaxis de presente para meus filhos, em Boa Vista. Quando o Joaquim voltava à tarde, pedi que ele levasse os abacaxis para meus filhos, em Boa Vista. Quando lhe entrei o saco de abacaxis, ele olhou para seu filho, com um olhar muito esquisito. O Francisco o olhou da mesma maneira. Achei esquisito, mas fiquei na minha.

Na manhã da segunda-feira, quando iniciei a aula, na escola, um dos alunos ergueu o braço e falou:

– Professor… sabe o que a Raimundinha falou pro seu Joaquim? Ela disse que viu, no sábado, seu filho roubando abacaxis, no terreno dele.

Não pude deixar de rir. Aí entendi os olhares esquisitos do Joaquim com o Francisco. A Raimundinha era filhinha do vizinho do meu lote, e viu quando meu filho pegou o abacaxi que lhe sugeri. A confusão permaneceu por todo tempo. A amizade entre mim e Joaquim continuou sem nenhum constrangimento, e nunca lhe falei do caso. Ele e o Francisco faleceram, acreditando que eu tinha roubado seus abacaxis, e ainda tê-los usado para entregá-los a meus filhos. O inimigo continuou dentro de mim.

Tome cuidado com você, cuidando dos inimigos dentro de você. Pense nisso.

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