Uma radiografia da saúde pública e o preço que pagamos até hoje
Jessé Souza*
Desde o início da pandemia de coronavírus, em 2020, já era possível afirmar que a saúde pública passaria a ser a prioridade absoluta a partir dali, pois novas ondas da Covid-19 poderiam ocorrer (como realmente vêm ocorrendo) e as pandemias passariam a ser mais frequentes. Porém, essa priorização não ocorreu como deveria.
Nem mesmo a população, com sacrifício de vidas, aprendeu a cuidar de sua saúde nem a cobrar dos políticos e dos governos prioridade para se investir recursos públicos na saúde pública, como sempre deveria ter sido , conforme determina a Constituição Federal, a qual garante saúde gratuita e de boa qualidade a todos.
O desprezo diante desses novos tempos, em que uma nova onda de coronavírus surgiu junto com um surto de gripe Influenza, neste início do ano de 2022, o presidente Jair Bolsonaro (PL) promoveu um corte de R$74 milhões na saúde pública dentro do Orçamento 2022. Tudo às custas do sofrimento do povo diante da pandemia.
No Estado de Roraima, estamos vivenciando uma corrida da população às Unidades Básicas de Saúde (UBS), em busca de testagem para Covid-19 e atendimento para gripe, o que revela que, após mais dois anos de pandemia, pouco se aprendeu (ou se investiu) para melhorar a estrutura do atendimento básico.
Enquanto isso, na saúde estadual, no mesmo momento em que aumentava o número de internações de pacientes com coronavírus, um médico vereador foi gravado em vídeo afrontando e ameaçando o diretor do Hospital Geral de Roraima (HGR) depois de ter descontado do salário cinco dias de falta ao serviço.
Na verdade, não foi apenas uma ameaça, ao afirmar que o diretor estava “com os dias contados”, sugerindo claramente que teria influência política, mas também uma fala em tom racista, ao dizer que o diretor era “chefe de índio”, e em tom homofóbico, ao chamar o seu superior hierárquico de “viadinho de m…”.
Tal episódio tornar-se tão somente mais um caso de como a situação funciona na saúde pública. Historicamente, os políticos usaram a saúde pública como um biombo eleitoral, que transformou médicos e secretários de Saúde em políticos com mandato, entre os quais aqueles que se locupletaram do sistema viciado para satisfazer seus negócios.
Não se pode esquecer que nem sempre isso ocorreu de forma oculta. Houve um tempo de explícita permissividade, no então governo de Neudo Campos, durante a campanha eleitoral, quando o secretário e todo primeiro escalão da Secretaria Estadual Saúde (Sesau) largaram suas funções no setor administrativo e nos hospitais para fazer uma “arrastão eleitoral” na cidade para pedir voto na rua.
Muito antes disso, a saúde pública já vinha sendo instrumento para eleger vereadores, deputados e senadores médicos. Trocava-se votos por laqueaduras, por exames médicos, vagas em consultas nos hospitais, transferências de pacientes para outros estados e até… abortos em clínicas particulares… Tempos sombrios aqueles!
Em outra ponta, a saúde sempre foi utilizada para acomodar e comprar aliados, beneficiar empresas de políticos e amigos de políticos, sustentar cooperativas, enriquecer quem participava dos esquemas e ainda moeda de troca para garantir candidatura de governadores. Essa realidade foi exposta pelo primeiro secretário de Saúde do atual governo a se demitir, mas o caso foi devidamente abafado.
Não foi por acaso que se chegou ao cenário de terra arrasada no início da pandemia, do qual os gestores não conseguem vencer porque se trata de um esquema antigo, já estabelecido pelo consenso da “velha política”. Dentro do contexto ainda existem servidores e médicos viciados em não trabalhar, em não aceitar mudanças para melhoria do atendimento ao público. E outras patifarias políticas que só o povo sabe na hora de buscar atendimento médico.
Na saúde municipal a situação já foi bem pior quando se negligenciava abertamente o atendimento ao público, e a população era acostumada a correr direto para o Hospital Geral de Roraima (HGR), inclusive diante de uma dor de cabeça. Inclusive, no início da pandemia, as UBS mandavam os pacientes direto para o HGR, sem cumprir com sua obrigação no atendimento primário.
Hoje já é possível ver uma mudança de mentalidade e comportamento, pois a saúde passou ser prioridade absoluta, inclusive com a cobrança por parte da população nas redes sociais. Mas esse exercício cidadão de cobrar tem que ser constante por parte do contribuinte, o qual também tem sua parcela de culpa. Essa é a nova consciência que precisa ser adotada. A propósito, estamos em ano eleitoral, que é o melhor momento para se adotar essa nova postura.
*Colunista