Esqueceu a gravata?
Afonso Rodrigues de Oliveira
“Há uma só máquina gigantesca operada por pigmeus: é a burocracia”. (Arthur Schopenhauer)
Na época da Maria-fumaça eu viajava de trem, para o trabalho. Eu morava em São Miguel Paulista, em Sampa. Naquela época, nos escritórios só se podia trabalhar com gravata. E eu trabalhava. E embora São Miguel fosse um bairro da acidade, eu tinha que pegar o trem pela manhã, para o trabalho, e à tarde para casa. E era aí que a jiripoca piava. Mesmo já considerado adulto, eu continuava uma criança buliçosa. O trem estava sempre superlotado. Mas eu fazia questão de viajar em pé, junto à porta.
Quase sempre eu usava um terno branco. Que hoje você pode até considerar ridículo, mas na época era o fino da cocada. Mas vamos ao que interessa. Era que eu não prestava atenção ao volume de fumaça que a Maria-fumaça jogava em cima de mim. Quando eu chegava à casa, minha mãe franzia a testa, fazia bico e já providenciava outro terno para o amanhã. E normalmente era um outro, cinzento. E assim foi a vida me levando para um mundo onde a gravata só representa os que se julgam importantes por usarem gravata. Lembrei-me disso, ainda há pouco, lembrando-me do dia em que quase fui atropelado por um homem que eu acho que era um juiz.
Eu voltava do mercado, com o pão para o café da tarde. E caminhava pela calçada do Fórum João Mendes, em São Paulo. Todos os dias eu passava por ali, pela porta de saída do Fórum. E naquela tarde, acho que me distraí e não percebi que ia saindo alguém. E eu acho que era um Juiz, porque ele vinha acompanhado por dois homens com cara de seguranças. E foi aí que eu tive que dar um pulo para a frente, para não ser atropelado pelos três. Parei, segurei a sacola com os pães, e fiquei olhando um dos acompanhantes abrir a porta do carro para o engravatado entrar. Sorri e segui em frente.
Será que a gravata ainda é tão importante para a importância? Acho que não. E por isso vamos mudar de assunto, já que já não somos mais engravatados. Vamos pensar mais na importância que temos em nós mesmos, independentemente da roupa que usamos ou dos anéis que exibimos. Vamos valorizar mais o nosso valor como cidadãos que ainda não somos porque ainda não somos educados para ser. E é aí que entra na ribalta o mais valoroso, que é o que realmente somos.
Prometo pra você, que amanhã falarei de outro caso acontecido depois do quase atropelamento pelo engravatado. Foi na mesmo região, e com sentido. É uma verdadeira lição de como as coisas mudam quando lhes damos a devida atenção, valorizando-nos no que somos. Por enquanto viva sua vida hoje, como ela deve ser vivida. Pense nisso.
99121-1460
Na Austrália a regra é clara, no Brasil não!
Sebastião Pereira do Nascimento*
Princípio, norma, disposição, ordem, parcimônia, comedimento e sobriedade. De acordo com os cânones da língua portuguesa, todos esses termos são sinônimos de “regra”, inclusive “cânone”. Algo que por alguma razão ou sem razão, o sujeito humano costuma “quebrar”. No entanto, transgredir a regra para o bem, em benefício de todos, é um ato libertário que se converte em evolução. Mas, transgredir a regra para o mal, em causa própria, é um ato imoral que se converte no abatimento do ser.
Falar de regra? Isso condiz com o momento em que estamos passamos por essa crise sanitária atribuída à covid-19. Onde é notório os discursos e as ações de pessoas negacionistas diante dessa pandemia. Entre essas pessoas, está o tenista sérvio Novak Djokovic, indivíduo que vem, ao longo dos últimos dois anos, se posicionando publicamente contra as regras sanitárias e a obrigatoriedade da vacina contra o coronavírus.
Sem sombra de dúvida, Novak Djokovic é um dos maiores tenista do mundo – e o atual número um –, mas também, sem sombra de dúvida, é um dos piores exemplo de caráter humano, o qual foge da regra da maioria de seus pares onde, no geral, o atleta, tomado pela busca da superação, é sempre dotado de humildade, gentileza e consciência social, aqui me refiro ao bom atleta, não ao melhor.
Portanto, sem mencionar outras ardilezas do tenista sérvio, vamos ao episódio divulgado amplamente pela imprensa, que diz respeito ao fato do tenista querer entrar na Austrália para participar do torneio aberto de tênis (em Melbourne), sem ser vacinado contra covid e ainda forjando informações de que estava imune por ter contraído o vírus recentemente. Com isso, Novak Djokovic revela mais uma de suas atitudes maliciosas, agindo para quebrar as regras estabelecidas pelo torneio onde, considerando as regras preconizadas pelo governo australiano, a imunização contra o covid era um dos requisitos para participar dos jogos.
Como a imprensa noticiou, ainda que possa haver outras razões, a Austrália mostrou ao mundo um bom exemplo de atitude moral, tanto por parte do povo, do judiciário e do governo. É bom que isso sirva de exemplo para o Brasil: para o povo, o judiciário e mormente para o mandatário do país, que até agora não soube se colocar como um governante digno, capaz de cumprir com seu dever institucional e muito menos cumprir com as regras estabelecidas para o combate ao coronavírus.
Voltando ao tenista sérvio, o mesmo foi banido do Aberto da Austrália, quando no julgamento final, o júri decidiu expulsar o jogador do país, levando o governo australiano cancelar seu visto e, portanto, impossibilitado de disputar a competição de tênis. O atual campeão do torneio foi deportado e ainda teve que arcar com os custos do julgamento e todas as despesas que contraiu durante sua curta permanência no país.
Encurtando a conversa, os primeiros fatos aconteceram no último dia 14 deste mês, quando o ministro dos Serviços a Imigrantes, Alex Hawke, cancelou o visto de Novak Djokovic por não ter se vacinado contra a covid. O tenista, então, entrou com um recurso para permanecer na Austrália a fim de reverter a decisão e conseguir participar do torneio. Apesar da revogação do visto, a deportação do tenista não foi autorizada de imediato. Ficando o jogador pendente justamente do último julgamento, composto por júri da corte federal da Austrália.
Durante o julgamento, a defesa australiana argumentou que a presença de Novak Djokovic no país, por se tratar de uma pessoa conhecida do público em geral, poderia influenciar outras pessoas de forma negativa, visto que o tenista, sem razão e sem escrúpulo, estava endossando uma visão antivacina.
Para as pessoas que são guiadas pelo fundamento moral, o que o tenista sérvio tentou fazer foi incentivar suas atitudes imorais, num país onde a maioria do povo se ajusta às regras estabelecidas pela sua sociedade. Diferente do Brasil, onde muitos brasileiros comuns ou de notoriedade pública (inclusive governamentais) vêm tentando influenciar negativamente no combate à pandemia, isso simplesmente por motivo apenas de satisfazer suas tristes almas.
No que concerne ao poder
de influência de Novak Djokovic em relação aos contraditórios da pandemia, o ministro da imigração australiana disse ainda não precisar esperar evidências de que Djokovic esteja influenciando as pessoas para cancelar o seu visto, basta apenas que exista o risco eminente de ampliar o contágio do coronavírus.
No julgamento, a defesa do tenista alegou que o ministro australiano não considerou as consequências do cancelamento do visto do jogador. Já a defesa do governo australiano, respondeu afirmando que o ministro da imigração, Alex Hawke, estava ciente de tudo que sua decisão poderia acarretar, principalmente a respeito dos negacionistas e das graves consequências caso não cancelasse o visto de Novak Djokovic. O que de fato aconteceu.
Como dissemos antes, ainda que houvesse outras razões para o banimento do jogador, o que prevaleceu na Austrália foi a vontade popular e a responsabilidade de um governo adepto à moral e à decência pública. Mas, se esse fato fosse no Brasil? É provável que o resultado seria outro, mesmo diante da atitude ultrajante do tenista.
Pois, logo o governo e o judiciário dariam um “jeitinho”, colocando os interesses públicos em segunda instância, visto que o lado podre do governo e do judiciário não refutaria à barganha, seja na celebração da vaidade ou na conta bancária, ou mesmo na cueca como aconteceu em Roraima com certo senador bolsonarista.
Isto posto, aqui no Brasil, a depender da falha moral de muitas pessoas, inclusive do próprio presidente da república e de seus aliados e, posto que a regra seja clara, ela não é cumprida, diferente do que assistimos na Austrália, onde a regra é clara e, como atributo moral do governo, é impreterivelmente cumprida. Quanto aos negacionistas da pandemia, logo que passar esse infortúnio e não haver mais o que negar, sôfregos pelo negacionismo, passarão a negar a si mesmos.
*Filósofo, zoólogo e escritor. Autor dos livros: “Sonhador do Absoluto” e “Recado aos Humanos”. Editora CRV. Coautor de “Vertebrados Terrestres de Roraima”, publicado no caderno científico BGE.