Estudo confirma a pirataria do ouro brasileiro, que agora está sendo legalizada pelo governo
Jessé Souza*
Depois de analisar mais de 40 mil registros de comercialização e imagens de extração mineral, o Instituto Escolhas divulgou o resultado do estudo que aponta que o Brasil comercializou 229 toneladas de ouro de 2015 a 2019 com indícios de irregularidade.
Os dados mostram que um terço dessa quantidade (79 toneladas) foi comercializado por cinco empresas que compraram ouro na Amazônia: F.D’Gold, Ourominas, Parmetal, Carol e a Fênix DTVM, companhias essas que possuem atuação em todas as etapas da cadeia produtiva do ouro.
Entre essas empresas estão aquelas que possuem garimpos com indícios de irregularidades que vendem ouro para suas próprias distribuidoras de títulos, ou seja, seus próprios agentes econômicos adquirem o minério e o repassa para outras empresas envolvidas na manufatura e venda de produtos, além de grupos empresariais ligados a empresas de refino, de transporte e de exportação.
Singifica que não há nenhuma fiscalização entre quem compra e revende o ouro, gerando uma cadeia de ilegalidade que elimina qualquer agente ou empresa que por ventura tenha interesse em saber da procedência do ouro que está sendo vendido nem a forma que ele foi adquirido.
Conforme o instituto autor do estudo, o estudo mostra que os indícios de ilegalidade são muito maiores do que se imaginava e confirma que essa situação é recorrente, tudo isso em consequência da total falta de controle, fiscalização e transparência na cadeia do ouro.
O estudo aponta a necessidade de se adotar medidas para combater as ilegalidades na cadeia de comercialização do ouro, como a adoção da obrigação de rastreamento do minério. Outra medida seria acabar com os benefícios legais aos garimpos e a emissão da Permissão de Lavra Garimpeira.
Porém, o Governo Federal tomou um caminho inverso, ao adotar medidas facilitando ainda mais a mineração no país, por meio de dois decretos publicados na segunda-feira, 14, sem adotar qualquer outra medida para fiscalizar a extração e o comércio de ouro ou mesmo para combater os crimes e ilegalidades.
Foram publicados o Decreto nº 10.966 e o Decreto nº 10.965, ambos de 11 de fevereiro de 2022. O primeiro cria incentivo à mineração artesanal em pequena escala. O segundo facilita os critérios para a análise dos processos e concessão de títulos minerários pela Agência Nacional de Mineração (ANM).
Mesmo sem qualquer incentivo ou autorização, o garimpo ilegal cresceu vertiginosamente desde que o presidente Jair Bolsonaro (PL) assumiu com o discurso em defesa do garimpo, fazendo com que se iniciasse uma corrida para a exploração ilegal em áreas ambientais e terras indígenas, principalmente na Terra Yanomami, em Roraima.
O Decreto 10.966 cria o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala. Também institui a Comissão Interministerial para o Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escalas. O nome é cumprido e pomposo, mas esconde armadilhas.
Esse decreto é um incentivo para que grandes exploradores de minério possam se travestir de “garimpeiros artesanais” em áreas de proteção e no entorno das terras indígenas, que servirão de ponto de apoio e de base para garimpos ilegais, dando um aspecto de legalidade ao que hoje é considerado ilegal.
Outro grande risco é o Decreto 10.965, que cria uma maneira legal de burlar a concessão para garimpar sem que os pedidos passem pelo processo de análise pela Agência Nacional de Mineração (ANM). O decreto determina que, caso a ANM demore para analisar os processos e concessão de autorização para pesquisa mineral, depois de 60 dias a autorização para minerar será validada automaticamente.
Sem essa devida análise legal, o governo estará dando o aval para que muitas áreas de garimpo sejam autorizadas de forma rápida e massiva. É um verdadeiro despropério com as normas legais e um passo definitivo para dar aspecto legal ao garimpo criminoso nas terras indígenas e à comercialização ilegal de ouro na Amazônia, conforme foi apontado no estudo feito pelo Instituto Escolhas.
Esse estudo mostra a existência de uma pirataria organizada que age contra a riqueza extraída do subsolo brasileiro nas entranhas da Amazônia, onde o governo não consegue chegar com as forças polícias, muito menos o Exército. Se os poderes constituídos não chegam, é óbvio que o crime organizado se estabelece.
A constatação que foi dado o sinal verde definitivo para a pirataria moderna do ouro brasileiro, desta vez com aspecto de legalidade, porém, que funciona aos mesmos moldes do que sempre se praticou pelos piratas do passado desde o achamento do Brasil, em 1500. É o fim da picada.
*Colunista