Roraima em tempos sombrios de guerra e as falas do presidente durante entrevista
Jessé Souza*
Os dados mais recentes comprovam que não passa de mais uma manobra do governo Bolsonaro (PSL) ao usar a invasão da Rússia à Ucrânia para pedir pressa na aprovação do Projeto de Lei 191/20, que abre as terras indígenas para a exploração de recursos minerais, hídricos e orgânicos, que tramita voraz na Câmara.
É isso o que compra um levantamento feito por dois professores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o qual aponta que dois terços das minas de potássio estão fora da Amazônia Legal e que a crise dos fertilizantes não passa de mais um pretexto para passar a boiada do projeto da mineração em terra indígena.
Conforme esses pesquisadores, existem reservas de potássio que garantiriam a autossuficiência brasileira de potássio até 2100 nos estados de Minas Gerais, Sergipe e São Paulo, ou seja, sem que haja necessidade de se mexer na Amazônia, que abriga apenas 11% das minas de potássio localizadas em terras indígenas que estão esperando por homologação.
Além dessa balela criada sob justificativa de que a Rússia suspendeu a exportação de potássio por causa da guerra, as notícias recentes sobre o garimpo em Terra Indígena Yanomami mostram que milícias armadas tocam o terror nessas áreas e se apossaram das principais frentes de garimpagem, impondo suas próprias leis, as quais são conhecidas de todos, inclusive em Roraima, onde corpos decapitados são desovados ou enterrados em cemitérios clandestinos nas cercanias de Boa Vista.
Liberar o garimpo e a mineração neste momento significa dar mais forças e poder ao crime organizado em terras indígenas. Inclusive, há deputados estaduais que insistem em querer realizar audiência pública sobre a liberação do garimpo, alimentando a sanha dos financiadores da atividade ilegal, mesmo que a “lei estadual do garimpo” tenha sido derrubada pela Justiça.
A entrevista do presidente da República à Rádio Folha, no início da semana, apenas confirma o que vem sendo dito por esta coluna há um certo tempo, de que Jair Bolsorano enxerga o nosso Estado apenas como um grande garimpo, o que faz ele repetir que Roraima é a “menina de seus olhos”. E apenas isso, conforme os fatos apresentados na entrevista.
Bolsonaro havia prometido resolver o impasse sobre a liberação do linhão de Tucuruí, mas insiste em querer atropelar os indígenas, jogando a culpa sobre Ongs, conforme foi dito na entrevista. Inclusive, houve políticos locais anunciando que a autorização tinha sido assinada pelos Waimiri-Atroari, mas era apenas mais um engodo, pois o governo se nega a compensar os indígenas pelos impactos ambientais.
Já que o governo quer atropelar as negociações, pois a postura do presidente é explicitamente anti-indígena desde quando era candidato, é por isso que existe uma ação movida pelo Ministério Público Federal do Amazonas para a autorização ao início das obras seja embargada até que seja efetivado o acordo entre o governo e as lideranças indígenas.
O PL 191 é pauta prioritária do governo para este ano, que viu na guerra na Ucrânia a oportunidade de ter mais um argumento para liberar o garimpo nas terras indígenas. Inclusive, dentro desse contexto, a vizinha Venezuela chegou a oferecer os fertilizantes agrícolas para o Brasil, apesar da divergência ideológica irreconciliável.
A propósito, essa guerra ideológica é o que menos interessa no momento, pois a Rússia é um país historicamente comunista, mas o ultradireitista Bolsonaro foi lá manifestar apoio ao presidente russo Vladimir Putin – e até participou da homenagem aos soldados comunistas mortos. Medo do comunismo só serve para alimentar as paranoias do eleitorado brasileiro.
Até os Estados Unidos, país pelo qual Bolsonaro se derrete, já não falam mais em embargos à Venezuela, dando início ao entendimento com o presidente venezuelano Nicolás Maduro para a compra de petróleo, caso a Rússia siga com os planos de embargos como retaliação. É isso mesmo: comunistas agora são aliados de direitistas em tempos de guerra, e vice-versa.
Essa possível compra de petróleo venezuelano pelos EUA chega até a ser uma boa notícia para Roraima, pois efetivamente se enxerga uma luz no fim do túnel para amenizar a crise na Venezuela, de onde a população foge da fome, com uma centena de venezuelanos chegando ao Estado diariamente. O presidente americano Joe Biden já reconhece Nicolás como presidente, enquanto Bolsonaro fica com o autodeclarado Juan Guaidó.
Pela entrevista que Bolsonaro deu à Rádio Folha, conforme já havia sido comentado aqui, não se pode esperar mais nada do governo brasileiro em relação à crise migratória em Roraima. O presidente só confirmou que está satisfeito com a Operação Acolhida e não vislumbrou qualquer possiblidade de uma contrapartida ao Estado além do que já vem sendo feito no acolhimento dos estrangeiros.
Dessa crise venezuelana, o Estado tem ficado ainda com a buraqueira na BR-174, entre Manaus e Pacaraima, na fronteira com a Venezuela, devido ao fluxo intenso das pesadas carretas que vêm do Amazonas e partem com mercadorias para o país vizinho, especialmente alimentação. Roraima fica apenas com números do crescimento do PIB e a buraqueira na rodovia.
Por sua vez, a respeito dos buracos na BR-174, Bolsonaro prometeu que iria ligar para o ministro da Infraestrutura, Tarciso Freitas, que por sua vez já está de saída do cargo. Então, tudo deve ficar por isso mesmo, enquanto o governo local não consegue fazer deslanchar as obras de recuperação da principal estrada de Roraima, da mesma forma como ocorre com o governo amazonense.
Espremendo tudo o que foi comentado acima, o que resta do governo brasileiro, neste momento conturbado, é apenas a pauta prioritária da política anti-indígena, que favorece o garimpo ilegal (tomado por milicianos), e por tratativas atrapalhadas no cenário nacional de guerra; e com Roraima fora do mapa de qualquer plano para enfrentar a onda cada vez maior da fuga em massa de venezuelanos para a Capital.
Tempos sombrios.
*Colunista