Jessé Souza

Uma foto do rio com agua achocolatada que deveria servir de alerta para todos 13566

Uma foto do rio com água achocolatada que deveria servir de alerta para todos

Jessé Souza*

No Dia Mundial da Água, celebrado nesta terça-feira, um parlamentar usou uma foto aérea sobre a ponte dos Macuxi que mostra a paisagem do Rio Branco para celebrar a data, assim como fizeram outros políticos. E o que logo chamou a atenção dos internautas naquela foto foi a forte coloração barrenta da água, como se fosse a cor de  um líquido achocolatado.

Quem frequenta as praias urbanas de água doce ao arredor de Boa Vista ou costuma pescar e até mesmo passear de barco nos nossos rios tem notado a mudança brusca na cor da água do Rio Branco e de seus afluentes mais famosos, como Cauamé, Curupira e Polar. Quem viaja de avião durante o dia também pode notar, pela janela, a cor escura da água nos rios no entorno da cidade.

Há quatro anos, pescadores mostraram um vídeo com imagens perturbadoras do encontro das águas barrentas do Rio Uraricoera com as águas límpidas do Rio Amajari, resultado de sedimentos lançados pela exploração de garimpos no Uraricoera, todos dentro da Terra Indígena Yanomami. Lembrando que o Uraricoera forma o Rio Branco a partir da junção com o Rio Tacutu,

Em situação semelhante também está o Rio Mucajaí, outro afluente do Rio Branco que deságua no Município de Mucajaí. Em abril do ano passado, um garimpeiro divulgou um vídeo em que ele comemorava um desvio feito no Rio Mucajaí por quatro pares de máquina que rasgaram 130 metros dentro da floresta para desviar o curso d’água a fim de facilitar a garimpagem de ouro.

Mas, bem antes disso, a água barrenta já vinha sendo um sério problema que podia ser sentido e visualizado no Rio Branco até a altura do Município de Caracaraí, onde o cenário das Corredeiras do Bem-Querer passou a ser de uma lama escura que tomou conta das praias e que se acumula no remanso das grandes pedras, se tornando uma lama pegajosa.  

De lá para cá, o garimpo ilegal só se ampliou e a defesa da liberação da garimpagem também, especialmente por políticos locais e pelo próprio presidente da República, que saía em defesa do garimpo quando ainda era candidato. Na semana passada, novamente a Assembleia Legislativa de Roraima promoveu outra audiência pública em defesa da liberação do garimpo, em uma atitude política de apoio a garimpeiros.

Até hoje, nenhuma autoridade propôs discutir a crítica situação da qualidade da água de nossos principais rios, em especial o Uraricoera e o Mucajaí, que deságuam no Rio Branco, os quais, devido à ação do garimpo, são os principais responsáveis pela visível poluição das águas e também pela invisível, provocada pelo mercúrio usado para explorar ouro dentro das terras indígenas.

Por sorte de todos e pela bem-aventurança da natureza, o Estado de Roraima está no terceiro ano consecutivo de fartas chuvas que praticamente impediram o período normal de estiagem, o qual chamamos de verão. Mas, quando houver uma forte estiagem (e isso não tardará) a população irá sentir severamente o estrago do garimpo provocado nos nossos principais mananciais.

Quando o Estado estiver enfrentando uma profunda crise hídrica. talvez alguém decida tomar alguma posição para defender os recursos hídricos, com proteção de nossos mananciais de água potável. Especialmente diante de uma companhia de abastecimento de água deficitária que o Estado dispõe.

Hoje não se tem ao menos uma pesquisa que aponte a qualidade da água de nossos principais rios. Muito menos de qualquer ação para impedir o avanço da poluição.  No Pará, a população começou a se mobilizar para protestar contra a poluição das águas do Rio Tapajós pelo garimpo. Em Roraima, a mobilização é para defender o garimpo ilegal.

Até aqui, a invasão a terras indígenas, a severa agressão aos povos Yanomami, evasão de divisa, milícias detentoras de frentes de garimpo e a criminalidade nessas áreas não foram suficientes para sensibilizar as autoridades e o governo, muito menos a população. Talvez quando todos passarem a ser obrigados a racionar água na torneira, aí vão começar a agir.

A propósito, o parlamentar que postou a foto mostrando a nítida poluição das águas do Rio Branco é o mesmo que defende o garimpo em terras indígenas; o mesmo que teve um avião registrado em seu nome apreendido pela Polícia Federal durante operação no garimpo ilegal na Terra Indígena Raposa Serra do Sol; também é o mesmo do escândalo da cueca. 

*Colunista