Quando um pacto silencioso é um sinal de alerta para toda a sociedade
Jessé Souza*
Por longos anos, a Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (Pamc) ficou conhecida por ter se tornado uma “colônia de férias para bandidos”, onde havia feira-livre nos corredores e no pátio, com comércio não apenas de comida, mas também de bebidas e drogas ilícitas, além de uma imensa favela construída pelos próprios presos para escapa não apenas da superlotação, mas também para esconder ilícitos.
Tudo isso só foi possível porque havia um pacto informal entre os bandidos chefes de alas, os quais compuseram o primeiro crime organizado intramuros no Estado e que mantinham acordos com as autoridades que comandavam o sistema prisional. E por isso não haviam rebeliões ou fugas, pois, se estava bem para as autoridades também deveria estar bem para as lideranças dos presos. E vice-versa.
Foi assim até o Estado tentar retomar o controle do vergonhoso sistema prisional, dominado por máfias, quando a situação já escapava a qualquer tipo de controle e o crime passou a ser organizado. Foi preciso federalizar o sistema prisional e extirpar os acordos informais entre agentes do Estado e as lideranças de presidiários. Até chegarmos aqui, houve muita fuga, rebeliões e chacinas.
Tendo esse fato na lembrança, também é possível analisar a atual situação da segurança pública no Estado, onde as autoridades não se mostram dispostas a iniciar a retomada da segurança diante do avanço do crime organizado. É como se houvesse um pacto informal e silencioso em que está bom para os dois lados, das autoridades e dos bandidos organizados.
É por isso que seguem ocorrendo os crimes violentos, com corpos decapitados e amarrados que são desovados nos bairros periféricos e nos arredores de Boa Vista, especialmente no Anel Viário, onde recentemente foi encontrado um cemitério clandestino. Esses fatos não alarmam mais as autoridades nem indignam as polícias. É como se estivesse bem para quem está lá em cima.
Esse é o grande perigo do conformismo das autoridades, pois comportamentos como esse acabam por alimentar a existência de um poder paralelo, o qual fatalmente contamina membros não só da polícia, mas dos poderes constituídos, onde a política partidária é a próxima porta de entrada para se oficializar esse poder paralelo.
É preciso que existam autoridades lúcidas para analisar esse atual momento, em que crimes bárbaros são considerados “normais” pela sociedade, que passou a aceitar isso como apenas “casos de acerto de contas entre bandidos”, ou seja, em que bandidos matam bandidos e, portanto, estaria “tudo certo”.
O Estado está pagando um valor muito alto com a privatização de parte do serviço da Polícia Militar nas rondas ostensivas. E só isso não basta para devolver a tranquilidade aos cidadãos, especialmente aqueles que vivem na periferia. Até aqui, passa apenas uma sensação de falsa segurança, enquanto os crimes bárbaros seguem “normalmente”.
Tem-se a impressão de que, enquanto as polícias “enxugam gelo”, o crime organizado continua dando as cartas e fortalecendo ainda mais o seu poder paralelo. E isso costuma não acabar bem para uma sociedade, especialmente em um Estado localizado em una tríplice fronteira. Anotem isso…
*Colunista