Jessé Souza

Uma manha de furia e a situacao do arrocha na multa em tempos de crise 13602

Uma manhã de fúria e a situação do ‘arrocha na multa’ em tempos de crise

Jessé Souza*

Há algumas situações a serem analisadas a partir da manhã de fúria de um cidadão que decidiu golpear o próprio carro apreendido em uma blitz realizada por agentes do Departamento Estadual de Trânsito (Detran), com apoio da Polícia Militar, e  da Polícia Rodoviária Federal (PRF), na manhã de ontem, cujas imagens do vídeo foram amplamente divulgadas nos grupos de WhatsApp e nas redes sociais.

A revolta não foi só daquele condutor que extrapolou o limite de sua indignação. Houve uma indignação geral das pessoas, sob vários aspectos, um deles que diz respeito aos que não estão conseguindo pagar as altas taxas, seguro e impostos para que tenham o direito de circular livremente com seus veículos, sem o risco de multas e apreensão por documento atrasado.

A situação econômica por qual passa o país tem obrigado o cidadão a escolher entre pagar seus impostos e taxas ou alimentar sua família e abastecer seu carro ou moto para trabalhar. E isso não é “mimimi” de quem não quer honrar seus compromissos. São dados da empresa Serasa Experian, que mostrou que a inadimplência já atingia 63 milhões de brasileiros em março de 2019, um recorde histórico,

A situação é mais desesperadora em Roraima, conforme apontou o  ranking por estados da Serasa: em março de 2019, mais da metade da população adulta de Roraima (62%) já estava com dívidas atrasadas e negativadas, percentual acima da média nacional (40,3%). E mais uma sessão de “arrocha na multa” só desespera que já está no vermelho há muito tempo.

“O aumento do desemprego e o repique da inflação nos primeiros meses do ano resultaram em perdas da renda do consumidor, que impacta diretamente na inadimplência. Também a concentração de compromissos financeiros típicos de início de ano (IPTU, IPVA, material escolar etc.) pressionaram o orçamento da população”, analisa a Serasa.

É incoerente um Estado que diz ter acumulado R$2 bilhões em caixa, com o Detran cheio de institucionais anunciando a construção de uma moderna sede, arrochar o cidadão nesse momento crítico pelo qual passa o país. Praticamente foram bloqueados com blitz os principais corredores por onde transitam boa parte das pessoas  em direção ao seu local de trabalho ou para deixar seus filhos na escola, na manhã de ontem.

Há outro aspecto a ser analisado. Além de estrangular o tráfego de veículos naquela hora da manhã, em horário de pico, atrasando as pessoas nos seus compromissos, tratou-se de uma ação ilegal, pois existe uma lei sancionada em 2014 pelo Executivo estadual que proíbe a realização de blitz de segunda à sexta-feira das 7h à 8h30 da manhã, das 12h às 14h, das 17 às 19h e aos sábados das 8h50 às 9h50.

Não há sequer como alegar que essas blitzen fariam parte de uma ação para ajudar no combate à criminalidade, pois, nesse horário, bandidos não estão circulando por aí, a  não ser pais de famílias que precisam bater ponto e deixar seus filhos na escola. E com a PRF atuando em conjunto para que ninguém escapasse do cerco.

O processo do “arrocha na multa” para arrecadar mais, exatamente em ano eleitoral, começou logo após o Detran ter entrado na cota da negociação partidária  do grupo governista com dois parlamentares. Os novos dirigentes daquele órgão de trânsito parecem não só desconhecer a legislação, mas também a realidade do cidadão roraimense nesses últimos anos de pandemia.

Além disso, analisando mais um aspecto, a indignação se torna maior quando o contribuinte, já arrochado anualmente com taxas, seguros e impostos, não vê o retorno desse alto volume de recursos públicos para a melhoria no trânsito. Sequer, nesses últimos três anos, se viu uma campanha educativa voltada a reduzir a violência no trânsito e conscientizar a população. No mínimo, antes de arrochar na multa, deveria haver uma campanha educativa e de conscientização.

Mas a ordem é arrochar mesmo a população, sem antes haver qualquer ação visando melhorar a situação do trânsito não só na Capital, mas no interior, onde a situação é muito pior, ou de um trabalho educativo; ou mesmo de uma campanha para facilitar o cidadão a regularizar seu veículo. 

Nada disso. A manhã de fúria daquele cidadão pode resumir muito bem qual é o sentimento da população em relação a tudo isso.

*Colunista