Mais uma fala para desviar a atenção e defender o avanço do garimpo ilegal
Jessé Souza*
As recentes declarações do presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Xavier, atribuindo o crescimento do garimpo na Terra Yanomami à crise na Venezuela, somam-se aos trágicos fatos que vêm se desenrolado naquela terra indígena, em Roraima, desde a intensificação da invasão de garimpeiros nos últimos três anos.
Nos últimos dias, graves situações foram denunciadas, como a prostituição de mulheres indígenas em troca de comida e cachaça, a morte de dois indígenas no conflito armado entre as próprias comunidades, incentivado por garimpeiros, e o encontro de uma aeronave que dava apoio ao garimpo ilegal, que desapareceu em agosto do ano passado, com três pessoas.
O presidente da Funai é a pessoa certa no lugar certo com a missão de desestruturar esse órgão, desmobilizar o movimento indígena, retirar direitos e abrir as terras indígenas para o garimpo, a mineração e o agronegócio. A vida pregressa dele aponta para isso, além da agressão ao próprio pai de 71 anos, reprovado no psicotécnico e atuações contestadas quando era delegado da Polícia Federal.
Em um dos casos, Marcelo Xavier foi afastado de uma operação policial organizada para expulsar invasores de uma terra indígena sob a suspeita de colaborar com os intrusos. Só aí dá para perceber que ele jamais teria o perfil de comandar a Funai, no entanto, se tornou uma peça-chave para a política de desmanche do órgão indigenista e a implantação dos projetos a favor do garimpo e de grandes produtores dentro de terras indígenas.
As declarações de que a crise venezuelana foi responsável por alimentar o garimpo ilegal é apenas mais um factoide que ele usou para defender a legalização do garimpo e a implantação de projetos de grandes produtores dentro das terras indígenas. Foi o mesmo argumento usado por Bolsonaro quando estourou a invasão russa na Ucrânia, ao defender a abertura da exploração de potássio dentro de terras indígenas, mesmo as maiores reservas desse mineral estarem fora da Amazônia.
O encrudescimento da invasão garimpeiro começou a partir das declarações dos políticos favoráveis ao garimpo, prometendo legalizar a mineração dentro da onda bolsonarista. Foi apenas um passo para que o crime organizado se apossasse das frentes de garimpos, dividindo a atividade ilícita com grandes financiadores do garimpo, entre eles como políticos e empresários, além de donos de aeronaves.
Enquanto uma facção criminosa age por meio de velozes e robustas lanchas que tocam o terror na Terra Yanomami, usando os rios como meio de locomoção, os grandes financiadores do garimpo, em outra ponta, chegam pelo ar, por meio de pequenas aeronaves que partem de pistas clandestinas ou mesmo de empresas instaladas nos arredores de Boa Vista, enviando maquinários, combustível, pessoal e apoio logístico.
E foi assim que duas aeronaves desapareceram no ano passado, entre as quais uma delas foi encontrada anteontem, depois de ter desaparecido no dia 04 de agosto, pouco depois de decolar da pista de uma empresa na região de Monte Cristo, na zona rural da Capital, com três pessoas, cujo destino era uma pista clandestina na Comunidade Homoxi, na Terra Indígena Yanomami, onde há uma frente de garimpo ilegal.
Tem funcionado assim a principal logística de apoio ao garimpo ilegal, que ocorre debaixo dos olhos das autoridades, cujas operações realizadas sob muito burocracia e com baixos recursos são insuficientes para sufocar o crime e impedir o crescimento do garimpo ilegal. Diante da distância dos centros urbanos, a inexistência de fiscalização e maiores possibilidades de impor suas próprias leis, facções criminosas se apossaram de parte dessas frentes de garimpo.
Com o vácuo deixado pelas autoridades, os garimpeiros ficam livres para alimentar conflito entre indígenas que são contra e a favor do garimpo, inclusive fornecendo arma de fogo; forçar as jovens indígenas a se prostituírem em troca de comida e bebida; se apossar de pistas de pouso; obrigar que aldeias inteiras se mudem de local para abrir espaço para o garimpo; além de várias ilegalidades típicas de garimpo ilegal sem lei.
Então, o posicionamento do presidente da Funai não passa de mais uma inverdade pregada para esconder os reais culpados por tudo isso e estrategicamente defender a legalização do garimpo, enquanto a base aliada, no Congresso Nacional, age para dar andamento aos objetivos de um governo que defender o garimpo e a mineração a qualquer custo. A dizimação do povo Yanomami faz parte dessa estratégia.
*Colunista