Atendimento ao público e a situação da esculhambação geral da nação
Jessé Souza*
Há muito tempo eu não havia mais escrito um artigo na primeira pessoa. Porque perdi o encanto diante d muitas situações em Roraima, especialmente com o desrespeito que os cidadãos passam quando precisam ser atendidos no comércio local. Então, eu havia eliminado a primeira pessoa para não ficar desabafando as desventuras que enfrento.
Mas, quando fui a Boa Vista, nesta segunda-feira, a situação passou dos limites do tolerável, quando sequer cheguei a ser mal-atendido porque simplesmente eu estava invisível (eu e a pessoa que estava comigo). Como o local onde eu costumo frequentar, na Praça Ayrton Senna, estava fechado, decidi ir a um outro local ali por perto.
Chegamos, passamos pelo que parecia ser o gerente, e nos instalamos em uma mesa bem ao meio do movimento. Mas fomos solenemente ignorados. Simplesmente garçons e garçonetes passavam e não olhavam a mesa onde estávamos. Até o gerente passou, como se estivéssemos invisíveis.
A minha companheira até quis se manifestar para chamar a atenção. Mas eu preferi que ficássemos aguardando para saber se estávamos diante de um absurdo. E estávamos. Nem daria para classificar como preconceito ou racismo, porque simplesmente ninguém sequer nos diarigiu o olhar. Nem mal-atendimento esse caso poderia ser classificado.
Decidi ir embora, sob o protesto da companheira. Porque ela já queria partir para a canelada. Da forma que entramos, nós saímos. Nem houve diferença, porque o gerente nos olhou da mesma forma do momento que entramos: como solene desprezo, como se nunca existíssemos.
Cancelado o chope, decidimos ir a um local conhecido pela venda de açaí, no bairro Mecejana. E conhecido pelo espetacular atendimento. Sentamos e respiramos aliviados. Mas eis que os três garçons passavam pela gente e sequer olhavam para a nossa mesa. Realmente, tive a certeza que estávamos invisíveis.
Um casal bonito passou e escolheu uma mesa atrás de nós. Dois garçons imediatamente foram até a mesa deles. Um atendia e outro limpava a mesa. Minha companheira, novamente, queria agir. Mas eu pedi que se acalmasse, embora essa não seja minha especialidade. “Quero ver se realmente estamos invisíveis. Não é possível”, argumentei.
Mas, realmente, estávamos no modo invisibilidade. Decidimos ir embora. Porém, naqueles segundos de lampejo, decidi ir ao caixa cobrar um atendente. Fui lá, reclamei que os garçons estavam nos ignorando etc e tal, e uma mocinha garçonete nos acompanhou. Eu perguntei: “Que problema está acontecendo aqui pra nenhum garçom vir atender a gente?”.
A garçonete, sorrindo displicente, como se estivesse alheia tudo, respondeu: “Nada. Não está acontecendo nada”. Eu retruquei: “Nada?! Você acha que isso não é nada?”. Ela sustentou: “Nada. Não está acontecendo nada”. E o fim desse episódio não terminou aí, embora eu tenha decidido parar o relato por aqui.
O que desejo é chamar a atenção para o atendimento ao público desrespeitoso, ao ponto de ser ultrajante, estar acompanhando a trajetória do comércio boa-vistense desde sempre. E não se resume a bar, lanchonete ou choperia. É geral, com suas honrosas exceções, obviamente. E se estende ainda ao serviço público, onde o servidor muitas vezes se acha acima de tudo (mas essa é outra história).
Tudo isso é reflexo da cultura do desrespeito e do desleixo que se instalou por aqui e em outras localidades, onde a esculhambação geral é a norma de quem não está nem aí para nada, diante de um país contaminado por uma política de desrespeito ao cidadão, o qual reproduz em suas relações pessoais e sociais.
Assim como não se pode somente culpar apenas o político safado pelo que vivemos hoje, também não se pode jogar o empresário no fundo do saco do lugar comum. Da mesma forma que o eleitor compactua com o político corrupto, o mal atendimento tem muito a ver com essa cidadania enviesada, contaminada pela esculhambação geral, em que muitas vezes o patrão nem tem culpa em se tratando de iniciativa privada.
O Brasil entrou num limite intolerável de aceitação do errado como se fosse algo normal, inclusive relativizando a corrupção ou comportamentos ilegais. Assim como não tem adiantado campanha de educação e conscientização no trânsito violento, treinamentos para atender bem o público também não tem funcionado, embora ajude bastante a não piorar o quadro já muito ruim.
Porque o problema está no ser humano contaminado pela esculhambação geral que estamos vivendo, onde a hipocrisia começa na religião, onde pastores pedem ouro como propina; ou padres pegos na pedofilia. E a situação do comércio não foge a essa regra. Precisamos investir mais na educação para transformar essa realidade. O problema é que a Educação está no centro da corrupção, nesses últimos dias.
Há um grande desalento e angústia no peito.
*Colunista