Pedido a Deus
Walber Aguiar*
A amizade é um amor que nunca morre
Mário Quintana
Sonhei que mergulhava nas águas claras e profundas do Maranata. De repente imergiu uma pessoa, uma figura, um ser humano fantástico. Sonhei que chorava no meio das águas. Chorava a profunda solidão de Samuel Coutinho. A ausência da mais louca e sincera alegria. O vazio do lavrado e do desejo de mergulhar nos campinhos e brincadeiras, na devocionalidade da canção, na liturgia dos pés descalços que encarnavam a liberdade dos cavalos selvagens do Maruai.
Aquele menino fora pedido a Deus, aliás , o significado do seu nome. Samuel fora pedido por tio Silas e tia Noemi; nascendo ali o primeiro fruto de um amor puro, sincero e duradouro. Duraria até a morte, até que o absurdo da morte nos roubasse a mulher meiga e simples, o anjo de cabelos brancos que pedira a Deus o primogênito da alegria, o devotado ao trabalho, o homem simples que conseguira arrebatar o coração de todos.
E ele cresceu ali, entre o sonho do querer e a vontade do realizar. A maldição do trabalho, o suor que fabricara o pão e a massa do pastel, fora transformado em um ministério abençoado e abençoador da vida de todos que passavam por ele, na calçada, no quintal, na rua, nos passeios de moto, nas piruetas de avião, na liberdade louca de voar como os pássaros mencionados por Jesus no sermão do monte.
O poeta da Galileia cativara o coração daquele homem/menino, daquele garoto que, à semelhança de Salomão, nada negara aos seus olhos e ao seu coração, no abençoado prazer concedido a ele. Debaixo da mangueira mágica a limonada lembrava e trazia tempos de refrigério, sob a bondade do pastor do salmo 23, sob a alegria mais escandalosamente linda e sincera que já nos foi apresentada.
Ora, o recheio dos pastéis ia pra além de queijo e carne. Bondade, alegria, ternura, misericórdia e amor estavam ali, recheando as tardes quentes e chuvosas, preenchendo os interstícios da alma, o espigão do ser, a conflitividade dos nossos mais quentes afetos. Trazendo a fé e a confiança mais estranhamente deliciosa que já pudemos viver e apreciar.
Mas, a maior ausência, o grande rasgo da solidão, a lacuna mais intensa e profunda foi sentida nas águas do sonho, da quimera marcada pela umidade e pela maior amizade na fé que alguém podia perceber e desfrutar. O homem que pilotava nas estradas da liberdade e voava com toda ousadia, também punha os pés no chão. Sim, até porque conversava não apenas com as palavras, mas olhava firmemente nos olhos de quem parasse pra ouvir dele os segredos da graça e da alegria. Com ele aprendemos a voar como os pardais, a dar asas ao riso e à imaginação.
Naquele dia sonhei que mergulhava junto com ele nas águas limpas, profundas e misteriosas do Maranata. Ele cochichou segredos da eternidade em meu ouvido, enxugou-me as lágrimas e mergulhou profundamente para nunca mais voltar. Um dia, qualquer dia desses, mergulharíamos no Maranata existencial e encontraríamos com ele. Sem pranto, sem choro, sem dor…
*Advogado, poeta, historiador, professor de filosofia e membro da Academia Roraimense de Letras
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Use a lanterna para clarear
Afonso Rodrigues de Oliveira
“A experiência é uma lanterna dependurada nas costas que apenas ilumina o caminho já percorrido”. (Confúcio)
É no caminhar da vida que acumulamos experiências. E é com elas que devemos continuar a caminhada, arquivando mais experiências. Mas não basta ser experiente, temos que saber acumular, usando a experiência acumulada. É isso aí. Viva o máximo que puder, da experiência que você tem. Que é quando descobrimos que não há experiência sem estudos. E podemos estar estudando quando observamos. Por isso é bom ser um bom observador. E o bom é não perde tempo observando coisas sem valor. Mesmo quando sabemos que a importância está no como vemos o que vemos. Tanto podemos aprender com o bom exemplo quanto com o mau.
Nada na vida é tão ruim que não possa ser melhorado. É só você prestar atenção na beleza do dia quando você acorda, e até os problemas da covid-19 vão para os quintos, de onde vieram. Simples pra dedéu. Daqui a pouco ficarei livre do trabalho e irei dar uma caminhadazinha pelas ruas da cidade. Da Boa Vista dos meus amores. Adoro esta cidade. Íntima, porque está dentro do meu coração. E é aí que ela vai ficar enquanto ele pulsar. Faz tempo que não ando observando os casos e causos ocorridos pelas ruas. A pandemia manteve-me numa prisão domiciliar. Mas já estou livre. E lá vou eu, de caniço e samburá.
A beleza indiscutível nos desfiles das Escolas de Samba neste fim de semana, encantou-me. E até mesmo os que ficam de fora, apenas por não assistir, sentem o impacto do prazer. E é aí que adquirimos experiências. Pronto, nem precisei sair de casa e já observei algo maravilhoso, na grosseria de um insulto. Ele vinha pela rua e quando chegou em frente ao meu portão, parou e ficou olhando, num insulto. Os outros levantaram-se num só pulo e avançaram num barulho infernal. Ele continuou parado e olhando, ridicularizando. Enquanto isso eu parei de trabalhar e fiquei rindo da grosseria dos seis briguentos. O insultante virou-se lentamente e afastou-se desdenhando dos irritados. Enquanto isso, eu sorria sentado, diante do computador.
Em momentos como esse lembro-me dos três anos que vivi na Ilha Comprida, recentemente, no litoral de São Paulo. Você não imagina quanta experiência adquiri, observando o comportamento dos animais, nas praias e nas ruas. Acho que já lhe falei da tarde em que eu vinha do mercado, com o pão para o café da tarde. No laguinho, uma ave negra olhava para o lago. Tolamente a xinguei, mand
ando-a nadar. Ela virou-se, abriu as asas e partiu contra mim. Rasgou minha sacola, tirou um pão, saiu correndo e caiu na água. Pense nisso.
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