Os grandes problemas no balaio do esquecimento dos defensores do garimpo
Jessé Souza*
Enquanto o Estado de Roraima continua sendo penalizado devido ao impasse sobre a obra do linhão de Tucuruí, sob o risco de ter sua principal rodovia que o liga ao restante do país interditada e vivendo sérios e constantes “apagões” de internet, os políticos locais insistem em querer levantar a bandeira do garimpo como prioritário.
O principal intuito é conquistar votos dos que defendem essa prática ilegal em terras indígenas, altamente agressora do meio ambiente e ameaçadora de vidas indígenas. Por isso mentem com desfaçatez impressionante, pois qualquer decisão sobre esse tema precisa passar pelo Congresso, onde já existem propostas tramitando.
O mais recente descaramento é que a atividade ilegal do garimpo seria responsável por ajudar o Estado na saúde, na educação e (pasmem!) na segurança pública. E a proposta que surgiu é a de destinar uma área específica para os garimpeiros trabalharem fora de terras indígenas. São propostas que não se sustentam à luz da verdade e dos fatos.
Em primeiro lugar, a legislação brasileira proíbe apenas o garimpo em terras indígenas, áreas de proteção ambiental e obviamente aquelas em poder do Exército. Então, não existe impedimento para que qualquer cidadão brasileiro, empresas ou cooperativas (inclusive de garimpeiros) possam pedir autorização para pesquisa e lavra de minérios fora de terras indígenas ou de proteção ambiental.
É falaciosa a proposta de “brigar” por garimpo fora de terras indígenas nem por regulação do garimpo por leis estaduais, como tentou o Governo de Roraima e teve a lei suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Se as entidades representativas de garimpeiros tivessem esse interesse, já estariam pleiteando requerimentos para garimpar fora de terras indígenas.
Porém, não há empresas nem entidades representativas interessadas em se regularizar porque a pesquisa e a posterior prospecção precisam passar por rígidas normas de fiscalização e severos critérios para recuperação de áreas degradadas, a ponto de exigir um alto investimentos que somente grandes empresas ou corporações multinacionais dispõem.
Qualquer regulamentação da lei, a ser tomada pelo Congresso, não permitirá, sob hipótese alguma, a garimpagem da forma que é feita, destruindo leitos dos rios, derrubando matas, revirando o subsolo com maquinários. É por isso que o garimpo ilegal prospera, porque não paga impostos, nem é obrigado a recuperar os sérios danos ambientais, muito menos pagar mão de obra dentro da legislação trabalhista. E o minério é vendido no mercado negro.
É mentira de quem promete garimpo nas atuais condições dentro de terras indígenas ou fora dela. O que é feito hoje não encontra amparo em qualquer legislação, muito menos nos acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário, ou seja, os quais assinou e por isso é obrigado a cumpri-los. Muito menos é verdadeira a informação de que é proibido minerar fora de terras indígenas.
Além disso, não procede qualquer argumento ou discurso de que o garimpo ilegal seja responsável por ajudar o Estado em garantir saúde, educação e segurança, pois a grande maioria do ouro extraído ilegalmente em terras indígenas é levada para fora ou vendida de forma ilegal, em uma evasão de divisas que representa a perda de dinheiro (reservas monetárias) pelo Brasil, no que pode ser chamado também de desfalque nos cofres públicos.
Ao contrário, o garimpo ilegal provoca mais danos do que traz retorno ao contribuinte ou aos cofres públicos, pois a corrida do ouro de forma ilegal caminha junto com várias ilegalidades, como tráfico de arma e de drogas, violência nas áreas de garimpo e nas periferias urbanas, prostituição, aliciamento de mulheres indígenas e de lideranças indígenas para que façam parte das frentes ilegais.
As notícias recentes da imprensa podem corroborar, como a denúncia do estupro e desaparecimento de uma criança indígena Yanomami e a apreensão de cocaína na região de Samaúma, no Município de Mucajaí, área conhecida como de grande concentração de garimpo. Sem contar a série de outras denúncias de conflitos, mortes e até mesmo a formação de milícias pelo crime organizado.
Essas ilegalidades obrigam o Governo Federal e o Governo do Estado a destinar mais recursos públicos para combater esses ilícitos, enquanto poderiam estar aplicando na segurança pública para combater a criminalidade já existentes nas cidades. E isso ajuda a tirar recursos de outras áreas. Portanto, não se sustentar o argumento de que o garimpo ajuda o Estado a investir nesses setores essenciais.
Na saúde a situação também é delicada, pois o Hospital Geral de Roraima (HGR) e os postos municipais de saúde têm recebido um grande número de garimpeiros com malária e Covid-19, bem como outras doenças, aumentando ainda mais a demanda nas unidades públicas, que mal conseguem atender a crescente procura por atendimento, especialmente com a chegada de mais migrantes diariamente.
Portanto, são mentirosos quaisquer argumentos de que o garimpo ilegal tem salvado o Estado de Roraima, que também está sob iminente perigo com as agressões aos principais mananciais de água potável e a contaminação desses mesmos rios pelo mercúrio. A atividade garimpeira, na mesma medida que deixa alguma circulação de dinheiro também provoca prejuízos, especialmente ajudando a sufocar os gastos na segurança pública e na saúde.
Tudo não passa de sofisma com a única função de servir de bandeira eleitoral para engabelar eleitores que apoiam o garimpo. E esse filme vem sendo repetido desde a década de 1980. Enquanto isso, a população sofre com a indefinição energética, com os seguidos “apagões” de internet e o iminente risco de a BR-174 ter o tráfego interrompido por causa dos atoleiros.
*Colunista