Da fila da buchada e da feira-livre da venda do voto às atuais situações de descaso
Jessé Souza*
Os últimos acontecimentos divulgados pela mídia servem como uma forma de chancelar o histórico desprezo com que o Estado de Roraima é tratado com relação a suas necessidades mais urgentes. Com anos de atraso, um parlamentar oficializou pedido de fiscalização no serviço de internet oferecido à população roraimense, soando apenas como algo formal para se justificar perante a opinião pública.
Ou seja, os apagões de internet são recorrentes, provocando uma série de prejuízos econômicos e graves transtornos às pessoas, mas somente agora um tímido ofício como contrarresposta às mesmas alegações de rompimento de fibra. Esse desleixo se vê até hoje com os corriqueiros apagões no fornecimento de energia elétrica, os quais ficam por isso mesmo e com o contribuinte pagando caro por um serviço de péssima qualidade.
Outra situação pôde ser vista com o ministro de Infraestrutura, Marcelo Sampaio, que veio ao Estado vistoriar o Aeroporto Internacional de Boa Vista e verificar a obra de duplicação de um trecho da BR-401, enquanto desprezou solenemente as obras de recuperação da BR-174 que interliga Manaus e Boa Vista a Venezuela. Foram três anos de esquecimento sem qualquer cobrança por parte de parlamentares roraimenses até a rodovia se deteriorar completamente.
Não se trata de uma questão atual, é verdade. É um descaso estrutural que apenas se agravou nesses últimos anos em que os políticos aproveitaram dois anos de pandemia e três anos de polarização da política em esquerda e direita para se esconderem de suas obrigações, enquanto outros enchiam os bolsos (e a cueca), já que as atenções estavam voltadas para as fake news sobre virar jacaré ou ter um chip do capeta implantado no corpo através da vacina.
Foi assim que se deu engabelação sobre o linhão de Tucuruí, por mais de uma década, cuja enrolação de políticos e governantes foi colocada na conta dos indígenas, como sempre eles fazem. Da mesma forma que os políticos que defendem o garimpo ilegal querem jogar a culpa exclusivamente nos indígenas, ao mesmo passo que transformam a defesa do garimpo em terras indígenas como uma intensiva e aberta campanha eleitoral antecipada.
Como estratégia, os políticos se esquivaram de tudo durante a pandemia e deixaram as obrigações para o ano eleitoral, como sempre fizeram historicamente, porque sabiam que desta vez poderiam contar com essa forte desculpa do coronavírus. De quebra, ainda podem jogar nessa conta mais cinco meses de inverno para deixar realizarem obras, a exemplo da situação da BR-174.
O ciclo vicioso serviu como grande instrumento de justificar os mesmos entraves. Estamos pagando um preço caro por isso nos dias atuais. Não é fácil quebrar antigos paradigmas que vêm sendo empurrados goela abaixo desde a instituição do Estado. Será preciso que uma nova geração supere isso, como ainda estamos superando o assistencialismo que nos empurrava para a fila da buchada e a feira-livre da venda de votos a cada esquina na madrugada de eleição.
*Colunista