Humilhação e injustiça no processo de enquadramento dos ex-servidores do Território Federal
Jessé Souza*
Milhares de pais e mães de família que trabalharam como servidores do antigo Território Federal de Roraima encontram fortes barreiras no pedido para ingressar ao quadro em extinção na União com base na Emenda Constitucional 79, muitos entrando para sete anos de processo desde a assinatura do Termo de Opção, sendo um ano só de espera pelo resultado da análise do pedido de complementação de documentos.
Não se trata apenas da tramitação lenta do processo devido às burocráticas exigências para análise de documentos. Mas também dos injustos indeferimentos por detalhes que deveriam ser considerados para uma época de Território Federal de muitas necessidades e privações de um povo completamente isolado do restante do país, onde as necessidades mais básicas eram supridas pelo comércio na Guiana e na Venezuela, cujas estradas ainda estavam sendo desbravadas pelos mais corajosos. Muitos dos que sonham com esse enquadramento para terem uma vida um pouco mais digna na reta final da vida estão sendo notificados com o indeferimento devido à escolaridade não comprovada de acordo com o cargo exercido à época, boa parte deles com admissão feita há 35 anos. Muitos dos leitores desse artigo nem eram nascidos à época – isso só para se ter uma noção desse tempo passado.
Esses servidores não tinham escolaridade há época e muitos continuam não tendo hoje, especialmente os que estão perto ou mais de 60 anos de idade. Não há qualquer perdão ou prerrogativa para essas pessoas, ainda que tenham concluído posteriormente a formação mínima exigida para o cargo exercido à época. Até mesmo aqueles que atualmente já tenham concluído o ensino superior são indeferidos. Há uma colossal injustiça nisso.
Esse indeferimento é um punhal cravado no peito de quem deu sua contribuição antes de o Estado ter sido constituído, especialmente quando o serviço público não era uma ocupação almejada por todos, como ocorre hoje. Muitos eram “pego a laço” mesmo porque a máquina pública precisava funcionar e não haviam muitos interessados. Inclusive não havia universidade pública nem muito menos faculdades particulares aos montes, como é atualmente.
Essa injustiça já deveria ter sido corrigida para que essas pessoas, especialmente os que têm atualmente a formação exigida, bem como aqueles já idosos, mas que precisam trabalhar até hoje e não concluíram seus estudos. Esse enquadramento precisa ser considerado como um reconhecimento a quem deu sua contribuição no passado, quando ser funcionário público não tinha valor nem reconhecimento, permitindo que o Estado de Roraima chegasse ao que é hoje.
Não se trata de “trem de alegria” ou de alguma irregularidade para entrar na folha de pagamento sem concurso público. Houve méritos em um passado de muitos desafios, quando os políticos sequer ligavam para planos de cargos e salários (se bem que hoje o funcionalismo precisa brigar no Legislativo ou na Justiça para ter seus direitos reconhecidos). Só que naquela época era bem pior, com todos “pegos a laços”, mas essenciais para fazer a máquina funcionar sem qualquer incentivo ou estrutura, sendo obrigado a aprender na prática, de forma bruta.
No caso de quem trabalhou no Banco de Roraima (Banroraima) ou no Banco do Estado de Roraima (Baner), a injustiça vai além. Muitos ficaram sem emprego porque os políticos da época roubaram tanto a ponto de falirem essas instituições bancárias que foram importantes para o fomento e desenvolvimento do que foi a base do Estado que conhecemos até aqui. E muitos dos ex-funcionários lutam por três décadas por esse reconhecimento.
A injustiça é tão avassaladora para aqueles que são obrigados a viver esses últimos anos garimpando documentos comidos pelas traças em arquivos mortos de órgãos já extintos, cuja documentação sequer foi preservada e onde não há o mínimo interesse do órgão público em ajudar ou facilitar a pesquisa. Quem corre atrás vive no desespero e angústia. Há os que são obrigados a viajar para Belém (PA), para onde os arquivos do Banroraima foram enviados, sem qualquer garantia de alcançar o objetivo na busca por documentos, como antigos contracheques.
Então, já passou da hora de o processo de enquadramento corrigir as injustiças, especialmente sobre escolaridade. Esses ex-servidores deveriam não só ter esse reconhecimento por meio legal, mas também uma menção honrosa das autoridades por terem dado sua imprescindível contribuição para a estruturação do Estado de Roraima. Até hoje, só restam muitas promessas de políticos e pouca ou nenhuma ação para acabar com os empecilhos que travam esse enquadramento.
*Colunista