Nunca foi tão perigoso criticar governos e defender o meio ambiente no Brasil
Jessé Souza*
A velha política nunca gostou de ambientalistas, indigenistas e jornalistas críticos, especialmente após os avanços conquistados pela Constituição Cidadã de 1988. E isso pode ser resumido ao que está ocorrendo no caso do Vale do Javari, em que o indigenista brasileiro e o jornalista britânico foram vítimas justamente da atuação profissional contra os crimes praticados naquela região da tríplice fronteira do Brasil, Colômbia e Peru.
O Brasil passa por um momento delicado de desmonte oficial dos órgãos ambientais e o principal órgão indigenista, a Fundação Nacional do Índio (Funai), a partir de um pacote de prioridades apresentadas pelo Governo Federal no Congresso, em fevereiro deste ano, que visa abrandar as leis ambientais e abrir as terras indígenas para todo o tipo de exploração, principalmente por garimpeiros e madeireiros.
Então, quem se opõe a esse grande projeto de governo é logo tachado de “comunista”, palavra que se tornou um mantra para demonizar quem luta por direitos humanos, contra crimes ambientais e a política anti-indígena que se instalou definitivamente a partir do discurso de abrir as áreas protegidas para a exploração mineral e o agronegócio.
No Brasil do bolsonarismo, ficou bem explícito a partir dos ataques cada vez mais fortes contra imprensa e seus profissionais, bem como as perseguições a ambientalistas e aqueles que defendem os direitos de minorias, especialmente as populações indígenas. Antes do caso do Vale do Javari, já era perigoso defender o meio ambiente e os direitos indígenas em áreas tomadas pelo garimpo ilegal, o qual foi apoderado pelo crime organizado.
Agindo com base em interesses escusos, as pessoas que assassinara e deram sumiço no corpo do jornalista e indigenista nos confins da Amazônia não pensaram que esse ato criminoso poderia chamar a atenção do mundo para o que está se passando naquela região, obrigando os poderes constituídos a agir sob pressão internacional. Está comprovando que os governos só agem sob pressão, e essa é uma consequência para aqueles que acham que dar sumiço em jornalistas e ambientalistas pode silenciar quem incomoda.
Quando há pessoas trabalhando deliberadamente a favor de um plano baseado em teorias conspiratórias ou em favor de interesses de grupos, há muitas chances de os agentes extrapolarem suas funções e passarem a agir por conta própria ou por interesses particulares. Foi assim com policiais militares acusados de sequestrar e torturar um apresentador de uma emissora de TV em Roraima.
E sempre será assim quando máfias regionais são estabelecidas onde o poder público não chega, a exemplo do Vale do Javari e na Terra Yanomami, onde lideranças indígenas são ameaçadas sob as vistas grossas do governo, que abertamente defende o garimpo e todo tipo de exploração em áreas protegidas a qualquer custo.
Porém, a extrema direita tem um plano bem maior, em nível mundial e que não se trata de teoria conspiratória. O Tribunal de Contas de União (TCU) liberou o contrato do Ministério da Justiça para uso de sistema espião Pegasus, o qual está sendo utilizado por governos com a finalidade de espionar milhares de jornalistas no mundo todo. Dos mais de 50 mil telefones grampeados, jornalistas foram alvo de escuta ilegal em ao menos 21 países.
Um arremedo de espionagem já havia começado a ser arquitetado desde o início do atual governo, quando o senador Chico Rodrigues, que foi dispensado da vice-liderança do governo após o caso do dinheiro na cueca, contratou em seu gabinete o primo dos filhos do presidente, Leonardo Rodrigues de Jesus, o Léo Índio. Ele passou a atuar como “espião” do governo e viajava para os estados comandados por governadores da oposição a fim de preparar dossiês de “infiltrados e comunistas” nos órgãos federais.
Sempre foi perigoso trabalhar com denúncias e cobrança a governos. Mas ficou mais perigoso ainda a partir de quando os governantes passaram a orquestrar ataques a jornalistas e outros profissionais devido a suas atuações críticas. Pior! Quando há uma política de governo que favorece o surgimento de todo o tipo de crimes em terras indígenas e áreas ambientais, o crime organizado passa a ser um poder paralelo.
Então, atuar denunciando essas ações criminosas na Amazônia tornou-se muito mais perigoso. O caso do Vale do Javari precisa ser um marco de mudança dessa realidade, em que a sociedade passe a enxergar o perigoso poder paralelo que se apodera de regiões nos confins da Amazônia, desta vez não apenas com a omissão do Estado, mas com o incentivo de quem deveria coibir a qualquer custo em nome da soberania brasileira.
*Colunista