O ‘efeito Neymar’, o caso Klara e a geração da fofoca compartilhada
Jessé Souza*
O pouso de emergência do jatinho particular do jogador Neymar Junior no Aeroporto Internacional de Boa Vista, no dia 21 passado, provocou um alvoroço nos perfis das redes sociais dos roraimenses. Foi o “efeito Neymar”. Uma cena normal em tempos de visibilidade na internet e que, se fosse em outros tempos, poderia provocar uma agitação diferente, a exemplo de uma corrida de fãs para frente do aeroporto.
Para fazer uma analogia, no tempo da morte do governador Ottomar Pinto, em 11 de dezembro de 2007, quando a internet engatinhava e rede social era o limitado Orkut, a única comunicação ágil e eficiente era a ligação telefônica. Então, naquele dia, as linhas telefônicas fixas e de celular em Roraima ficaram congestionadas devido ao alvoroço que a morte do brigadeiro provocou na população.
Hoje a consolidação das redes sociais como meios de comunicação e interação é um fato extraordinário, tornando o mundo globalizado e a vida das pessoas reféns da instantaneidade. Não só isso. As redes sociais sugaram as pessoas para um mundo paralelo onde real e fictício se fundem, em que as curtidas e o compartilhamento significam não somente popularidade e a possibilidade de uma vida virtual, mas também monetização, ou seja, ganhar dinheiro com a visibilidade do que se publica.
E assim, a passagem rápida de Neymar, que nem chegou a sair do seu jatinho, tornou-se um evento de grande impacto nos perfis das redes sociais locais, com influenciadores, políticos, sites de notícias e empresas fazendo memes com a finalidade de buscar engajamentos e curtidas, além de internautas compartilhando fotos dos privilegiados que fizeram selfies com o ídolo do futebol brasileiro, apenas pelo prazer da popularidade ainda que instantânea.
Mas não precisa ser um astro para despertar essa corrida em busca de curtidas. Qualquer fato inusitado é explorado especialmente pela juventude munida de um celular: um acidente de trânsito, uma briga de rua, um show de fim de semana… O prazer do imediatismo em busca de curtidas forjou uma geração que vive do compartilhamento, em que se tornou mais importante gravar vítimas de acidentes em vez de ajudar os feridos ou ligar para os números de emergência.
As forças das redes sociais também fizeram surgir a “geração tiktoker”, de dancinhas de preferência erotizadas, como também criou uma elite da mídia que explora a fofoca como instrumento de engajamento. Fofocar e compartilhar tornou-se fonte de curtidas, gerando popularidade de influenciadores que se passam como pseudos jornalistas, os quais não precisam mais checar informações, consultar fontes nem respeitar qualquer tipo de ética profissional em busca de curtidas, conforme manda a regra do bom jornalismo. E fofoca virou “notícia”, que por sua vez nem precisa mais ser algo verdadeiro.
A geração da fofoca e do compartilhamento não diferencia mais fofoca e notícia, fomentando cidadãos rasos, desprovidos de senso crítico e ocos de responsabilidade com o próximo e com as regras da sociedade. E foi assim que jornalistas, influenciadores e sites de notícias que investem em fofoca para angariar público atropelaram qualquer limite e pisotearam o jornalismo ao divulgarem o caso da artista Klara Castanho, vítima de estupro.
Não fossem os cidadãos que ainda resistem e estão vigilantes, o estupro midiático que a artista sofreu iria passar em branco, oficializando o fim do jornalismo e a vitória da fofoca como força máxima da geração do compartilhamento, em que fofocar e fazer vídeos de dancinhas importassem mais do que a cidadania, a ética, os direitos das pessoas, inclusive das minorias, com a vitória do escracho, do deboche, da mentira, das agressões e da violação da intimidade das pessoas.
O caso Klara precisa ser esse limite, assim como foi o caso da Escola Base, em 1994, quando a grande imprensa brasileira mentiu e acabou com a vida de professores e donos de uma escola de São Paulo ao acusá-los indevidamente de molestar e praticar orgia com crianças. Agora, com o poder da internet, é necessário que todos repensem o seu papel, especialmente a mídia que investe em fofoca, bem como as pessoas que buscam curtidas a qualquer custo sem se importar com as consequências de seus atos para a vida das pessoas e da sociedade.
*Colunista