Jessé Souza

Mais um projeto de lei que tentar dar aspecto de legalidade a um crime 14131

Mais um projeto de lei que tentar dar aspecto de legalidade a um crime

Jessé Souza*

Mesmo depois de ter aprovado um projeto de lei liberando o garimpo com uso de mercúrio, cuja lei sancionada acabou derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) devido a sua inconstitucionalidade, a Assembleia Legislativa de Roraima voltou aprovar outro projeto que visa exclusivamente agradar eleitoralmente um movimento pró-garimpo que defende a exploração ilegal em terras indígenas.

Conforme esta coluna se posicionou em artigo anterior, o  Projeto de Lei 233/2022 não irá prosperar porque tem sérios vícios inconstitucionais, o que acabou sendo confirmado pelo Ministério Público Federal, conforme publicado pela Folha. O órgão ministerial analisar que, se a lei estadual for sancionada, irá contrariar a legislação federal, que por sua vez contribuirá para o aumento da criminalidade ambiental.

Qualquer estagiário de direito poderia logo desconfiar da ilegalidade e dos sérios reflexos que uma legislação neste teor pode provocar. E o MPF foi bem explícito ao analisar que o projeto vai contra a legislação federal que ampara as ações das forças policiais e órgãos ambientais para destruir ou inutilizar artefatos e maquinários de garimpo, com base na  Lei 9.605/1998 e Decreto 6.514/2008, os quais “já foram reconhecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como imprescindíveis para o enfrentamento do garimpo ilegal”.

Conforme o MPF, a descaracterização, destruição e inutilização desses bens deve ocorrer quando o transporte do que foi apreendido em garimpo ilegal não for possível por estar em áreas remotas de difícil acesso e não haja condições de fazer o transporte para a apreensão. A finalidade é impedir que esses equipamentos voltem a ser utilizados no crime ambiental, além de outros crimes cometidos em garimpagem ilegal dentro e fora de terras indígenas.

O PL do Garimpo,  aprovado pelos deputados estaduais, além de ser um instrumento de apoio ao garimpo ilegal (porque existe somente uma empresa em Roraima legalizada a fazer exploração mineral), trata-se de um projeto que limita as forças policiais estaduais de atuarem no combate a estas práticas criminosas, como também proporciona uma sensação de incentivo para que empresários de garimpo ilegal continuem atuando no Estado.

É preciso lembrar que, para garimpar fora de terras indígenas, também é necessário ter autorização, que preza principalmente pela defesa do meio ambiente, com a recuperação das áreas degradadas. Mas, nas atuais circunstâncias, todos os garimpos em Roraima estão irregulares, sem qualquer exceção, pois a empresa que está legalizada não está em atividade atualmente.

Logo, todos os garimpos em terras indígenas e no seu entorno são configurados em exercício ilegal da garimpagem e mineração, logo podem ser considerados não apenas arbitrários e abusivos, como também  violentos por estarem controlados pelo crime organizado e que colocam em risco a vida dos povos indígenas.

É por isso que o MPF tem conseguido ordem judicial para que as forças de segurança e os órgãos de fiscalização federais possam destruir ou inutilizar maquinários, aeronaves, combustíveis e tudo que for utilizado na prática do garimpo ilegal, conforme foi bem explicado na matéria em questão. Afinal, a legislação tem amparo em decisão do STF.

Como estamos em período eleitoral, provavelmente a lei estadual será sancionada, apesar de flagrantemente inconstitucional, como posição para agradar um movimento pró-garimpo que tem se mostrado ativo eleitoralmente, além de mais um sinal de apoio à exploração mineral em terras indígenas, atividade ilegal que suscita a prática de outros crimes.

Só para se ter uma ideia, no mesmo momento em que os deputados aprovavam o PL do Garimpo na Assembleia Legislativa, a polícia prendia militares venezuelanos que tentavam atravessar a fronteira com um carregamento de mercúrio para ser vendido nos garimpos de Roraima. Apenas um dos crimes transfronteiriços entre vários outros que dão apoio ao garimpo ilegal.

Então, não se trata apenas de ser contra o garimpo. Trata-se de ser fazer cumprir a legislação brasileira, a qual não permite garimpo em terras indígenas ou qualquer tipo de mineração fora de terras indígenas sem autorização legal da União. E também contra a organização do crime em garimpos ilegais que desafiam o poder constituído e a própria soberania do país. E os deputados atropelam tudo isso.

*Colunista