Desconfiômetro de quem viveu tempos turbulentos na década de 1980
Jessé Souza*
Quem trabalhava na imprensa e vivenciou a política na década de 1980 sempre consegue sentir um cheiro estranho no ar quando se aproxima uma campanha eleitoral difícil, como esta que está polarizada em dois grupos políticos. É por isso que todos precisam ficar atentos ao desenrolar dos fatos, especialmente quando tudo parece um silêncio constrangedor.
Óbvio que eram tempos muitos mais difíceis naquela década de transição da ditadura militar para a democracia, quando ocorria de tudo no campo da disputa da política partidária. Foi naquela época que ocorreu o assassinato do jornalista João Alencar, o qual tinha um jornal que atacava de forma veemente o então governador Ottomar Pinto, já falecido, que era brigadeiro da Aeronáutica.
O crime naquela época era institucionalizado, com surgimento de cemitérios clandestinos nas cercanias da Capital. Bandidos travestidos de autoridades passaram a comandar a Polícia Civil, inclusive dois irmãos advogados que eram filho de um desembargador, acusados do assassinato do advogado Pedro Coelho. Tempos sombrios que ainda precisam ser contados para que as caveiras saiam definitivamente do armário.
Os tempos eram especialmente difíceis para jornalistas críticos, pois haviam crimes políticos reais a serem lembrados (João Alencar e Pedro Coelho), levando em conta que o assassinato do jornalista nunca foi desvendado devido a forças nem tão ocultas assim. E tudo ficou por isso mesmo.
Se hoje criticar é perigoso, naquela época podia ser uma sentença de morte. E à medida em que o Estado ia se institucionalizando e a política se movimentando, as armas foram se transformando, a exemplo de arquitetar atentados e simular episódios para acusar adversários ou mesmo retaliar os indesejáveis a partir da década de 1990 em campanhas eleitorais difíceis. Algo muito semelhante ao caso Romano dos Anjos.
Também havia uma barulhenta disputa entre os principais grupos políticos, cada um com seus próprios veículos de comunicação (jornal impresso, rádio e TV) para atacar adversários de forma virulenta e manipular a opinião a pública de acordo com suas conveniências e acordos. E quando essas campanhas não surtiam o efeito desejado, sempre aparecia o “homem da maleta” na calada da noite.
Então, quando se percebia que a derrota estava se formando para determinado grupo, fatalmente algo ocorria, principalmente uma campanha difamatória difícil de ser revertida por meio de panfletagem ou da “rádio cipó”, que eram mentiras espalhadas de boca a boca, uma vez que não havia internet. Tratavam-se das fake news da época, muitas vezes com enredos sórdidos e muitos eficientes.
A poucos meses de uma eleição polarizada em nível estadual e nacional, é preciso que a opinião pública esteja bem atenta ao desenrolar dos fatos a partir daqui. Há um cheiro estranho no ar que pode ser sentido por quem viveu a década de 1980. Quando uma campanha eleitoral está polarizada, e há um silêncio no meio, é porque há algo sendo gestado. Ainda que seja alguma maleta sendo preparada.
É bom sempre desconfiar.
*Colunista