Pressa em fazer valer uma lei e o poderio econômico revelado pela PF
Jessé Souza*
O Governo do Estado tem pressa em fazer valer a lei estadual, sancionada na semana passada, que proíbe órgãos ambientais e a Polícia Militar de destruir e inutilizar equipamentos e maquinários apreendidos nas operações contra o garimpo ilegal. O projeto de lei que deu origem a esta lei foi aprovado pelos deputados estaduais em um tempo recorde, o que não se costuma a ver nos legislativos.
A aprovação do PL ocorreu sob pressão patrocinada por empresário de garimpo que é investigado pela Polícia Federal sob acusação de dar apoio logístico à mineração na Terra Indígena Yanomami, o qual tem feito incisiva publicidade de que é pré-candidato a deputado federal nas redes sociais e grupos de WhatsApp.
Inclusive, dentro dessas manifestações pró-garimpo houve até pedido para a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar atuação de Organizações Não Governamentais (ONGs) aos moldes do que foi feito na década de 1990, CPI que serviu de circo midiático em situações muitos semelhantes que deram popularidade a empresários de garimpos que foram alçados a deputados.
Mesmo com posição do Ministério Público Federal (MPF) de que esta lei tem sério vício constitucional, opinião esta compartilhada por especialistas do ramo do Direito, isso não foi suficiente para frear essa pressa dentro da Assembleia Legislativa e do Palácio Senador Hélio Campos, que inclusive fizeram festa pública para sancionar a lei, na semana passada.
Como estamos em um período pré-eleitoral, está óbvio que esta atitude acaba agradando garimpeiros, apoiadores do garimpo, empresários mineradores e grandes investidores que se beneficiam do ouro extraído ilegalmente das terras indígenas – ouro este que rola inclusive nos bastidores políticos nos pedidos de propina no Ministério da Educação (MEC).
Com a lei em vigor, as forças policiais estaduais e os órgãos ambientais deixam de reforçar as ações e operações das forças federais no combate ao garimpo ilegal. Ainda que policiais e agentes ambientais estaduais atuem, a lei estadual determina que maquinários, equipamentos, gasolina e outros bens sejam devolvidos aos garimpeiros a título de “fiel depositário” até que o processo se desenrole.
Estamos diante de uma flagrante inconstitucionalidade de uma lei que, em tempos de disputa eleitoral, acaba dando um falso aspecto de legalidade a atuação do garimpo, ainda que temporariamente, pois fatalmente essa legislação será revogada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), assim como ocorreu com a “lei estadual do garimpo”, que autorizou a garimpagem fora de áreas indígenas, inclusive com utilização de mercúrio.
Esta lei também acaba fortalecendo forças paralelas que atuam não apenas no apoio logístico do garimpo, mas também no controle de frentes de exploração dentro de terras indígenas, muitas delas sob o comando do crime organizado, conforme autoridades policiais já revelaram à imprensa nacional. É por isso que não se pode falar em legalizar garimpo sem antes o país retomar essas áreas não apenas para frear os crimes neles praticados, mas também para retomar a soberania nessas áreas de fronteira.
As notícias divulgadas pela imprensa são bem claras ao revelar esta realidade, a exemplo do caso do piloto paraense que desapareceu após decolar com sua aeronave no dia 24 de junho da Vila Campos Novos, no Município de Iracema, visando dar apoio logístico a um garimpo do lado venezuelano, na fronteira com o Brasil. O caso só veio à tona porque a família decidiu procurar a imprensa, sem antes comunicar o fato às autoridades brasileiras.
Em nível nacional, no mesmo momento em que tudo isso ocorre no Estado, investigação da Polícia Federal aponta um empresário do garimpo ilegal, sócio da empresa Gana Gold, atual M.M Gold, que ostenta uma vida milionária, com helicópteros, lanchas, caminhonete importada e até festa de casamento que contou com a apresentação de duplas sertanejas famosas.
Para se ter uma ideia do que o garimpo ilegal proporciona, a movimentação financeira do grupo empresarial aponta que, entre os anos de 2020 e 2021, a exploração ilegal de ouro rendeu cerca de R$ 1,1 bilhão apenas ao garimpeiro. A empresa teria movimentado cerca de R$ 16 bilhões entre 2019 e 2021, cuja parte do dinheiro foi lavada em operações com criptomoedas.
Os fatos por si só mostram o poderio econômico de quem manda e desmanda no garimpo ilegal na região Amazônica, poder este que sempre almeja também as chaves da política partidária, com todo o apoio de autoridades para facilitar suas ações. Enquanto isso, os garimpeiros de verdade são apenas mão de obra análoga ao trabalho escravo, no meio da floresta, os quais são vistos também apenas como um voto no dia da eleição.
*Colunista