O país agora está com as porteiras abertas para distribuir o peixe
Jessé Souza*
Se alguém ainda consegue lembrar neste país da amnésia seletiva, uma das principais críticas que se fazia aos partidos de esquerda era a prática de alimentar o assistencialismo e o paternalismo, cujo remédio apontado pelos críticos era “ensinar a pescar, e não apenas dar o peixe”. No entanto, nunca o país havia escancarado um comportamento oficialmente clientelista quanto agora em um governo declaradamente de extrema direita.
Para refrescar a memória dos críticos de outrora, o clientelismo é a escancarada troca de votos por favores em tempos eleitorais. E foi exatamente isso que acabou se ser instituído pela Câmara dos Deputados, que aprovou ontem a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 15, que já pode ser chamada de a PEC da Compra de Votos, pois autoriza a distribuição farta de benefícios em pleno período eleitoral e que terá validade até o fim deste ano.
Sob a justificativa de que o país está sob estado emergência, a Câmara aprovou, e o presidente Bolsonaro sancionará, a PEC que cria uma farta distribuição de benesses não só ao povo, mas também a caminhoneiros, taxistas e empresas de ônibus, com validade somente até 31 de dezembro. A PEC é uma mistura de assistencialismo, clientelismo e populismo, em que um presidente assume a função de um paizão que vai salvar o país e o povo da crise, depois de não ter se importado com isso em três anos de governo.
Não que o povo desmereça esses benefícios em um momento difícil. As pessoas mais pobres merecem, sim, mas não desta forma, como instrumento populista diante de um vale tudo eleitoral, por meio de jeitinho atropelando legalmente a legislação eleitoral, que proíbe a concessão de novos benefícios ou distribuição de valores em ano eleitoral. Agora a prática foi legalmente autorizada.
O clientelismo passou a se tornar a prática oficial do governo, em que eleitor e político não estão interessados em pensar em longo prazo, valendo para os políticos de direita serem reeleitos a qualquer custo, com os seus grupos tirando o máximo de proveitos e benefícios possíveis, por meio de nomeações (toma-lá-dá-cá), orçamento secreto, pedidos de propinas a peso de ouro e todas as antigas práticas da velhacaria na política.
A porteira está aberta oficialmente. E não se pode esquecer que queriam fazer o mesmo no Estado de Roraima, mantendo um estado de emergência que não se sustenta mais, cuja manobra só não foi colocada em prática legalmente por causa de uma decisão judicial.
*Colunista