Jessé Souza

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Enquanto a lei favorecer quem compra ouro ilegal, máfia seguirá atuando em terras indígenas

Jessé Souza*

Para combater o crime organizado que comanda o garimpo ilegal no país, especialmente na Terra Indígena Yanomami, não basta apenas caçar garimpeiros dentro dos grotões que destroem o meio ambiente, os quais também acabam sendo vítimas da exploração da mão de obra tratada como similar a um trabalho escravo no meio da floresta amazônica.

Essa guerra não se ganha por meio de batalhas das forças policiais dentro da floresta, mas na selva de pedra dos grandes centros financeiros do país, caçando quem financia o garimpo e quem compra o ouro extraído ilegalmente. Mas, para isso, é necessário mexer na legislação, a qual beneficia especialmente quem compra ouro proveniente da ilegalidade, o que impede uma ação fiscalizatória sobre quem vende.

A Lei 12.844/2013, que regula a compra, venda e o transporte do ouro no país, diz que a venda do mineral ocorre de boa-fé do vendedor. Ou seja, a lei isenta de qualquer responsabilidade os compradores de ouro, pois a informação sobre a origem do minério é autodeclaratória por parte do vendedor no momento do preenchimento da nota fiscal. Essa é a porta para todo o grande esquema que se montou no país.

Na hora da investigação, os grandes compradores de ouro ilegal acabam sendo isentos de qualquer responsabilidade e de provar a origem do ouro adquirido por eles. Os especialistas chamam de “boa- fé presumida”, uma vez que a responsabilidade de provar de onde vem o ouro é do vendedor. Logo, na hora da fiscalização, as empresas facilmente se livram porque alegam que quem vendeu ouro foi quem mentiu. Desta forma, nunca se alcançam os vendedores.

Para vencer essa guerra contra a máfia do ouro ilegal é necessário que os legisladores aprovem uma mudança na lei que favorece os grandes compradores de ouro extraído ilegalmente das terras indígenas. Da forma que está, é praticamente impossível acabar com a comercialização ilegal do minério, enquanto a legislação não favorecer uma ação fiscalizatória constante e atuante para coibir os grandes esquemas montados na comercialização do ouro ilegal.

A atividade lucrativa do garimpo ilegal vem sendo revelada a partir das três operações deflagradas pela Polícia Federal, no início deste mês, contra a mineradora Gana Gold, que trocou de nome para M.M. Gold, suspeita de usar um garimpo em Itaituba, no Pará, para “esquentar” o ouro retirado ilegalmente da Terra Yanomami, em Roraima. A PF estima que o esquema tenha movimentado cerca de R$ 16 bilhões entre 2019 e 2021.

Conforme as investigações, dados coletados a partir das informações financeiras mostram uma relação entre a Gana Gold com um empresário de Roraima, o mesmo que vem sendo investigado pela PF por ter ligação direta ao garimpo, por meio de apoio logístico aéreo que sustenta a exploração ilegal de ouro na terra indígena, cujo esquema movimentou R$200 milhões em dois anos, conforme reportagem da Folha de São Paulo.

 O empresário é pré-candidato a deputado federal, cuja principal bandeira política é o comando de um movimento em defesa de garimpeiros em Roraima e pela legalização do garimpo. As investigações apontam que foram cerca de R$ 2 milhões em transferências da Gana Gold para este empresário que se mostra bem articulado na política local.

Além disso, as investigações da PF localizaram 46 transferências da Gana Gold para GG Travassos, empresa esta que repassou esses valores para uma empresa de taxi aéreo que tem este empresário de Roraima entre os donos. Pelos números, dá para notar que a atividade ilegal é altamente lucrativa, e que por isso mesmo há uma forte pressão aos políticos locais para favorecer o garimpo de qualquer forma.

E tudo isso diante de uma legislação que permite que grandes compradores de ouro ilegal fiquem isentos de qualquer responsabilidade e que não os obriga a provar a origem do ouro adquirido por eles. Enquanto não houver uma mudança nesta lei, o grande esquema continuará forte no país, inclusive com força política amparada por uma atividade ilegal bilionária.  

*Colunista