Jessé Souza

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Por trás de um fato, o surgimento de uma grande estrutura para atividades ilegais

Jessé Souza*

O acidente com avião de pequeno porte, na quarta-feira passada, dia 13, às margens da rodovia estadual RR-325, entre as vilas Novas e Penha, não mostra apenas a constante ação dessas aeronaves dando apoio ao garimpo ilegal naquela região. Um parêntese: não custa lembrar que o site da Agencia Nacional de Aviação Civil (Anac) informa que esta aeronave estava com o Certificado de Aeronavegabilidade suspenso. Detalhe: o avião não explodiu, e sim foi incendiado logo após o pouso forçado.

Mesmo que este acidente já tenha caído no esquecimento, o  caso também acaba por chamar a atenção para o fato de que aquela região vem sendo preparada com infraestrutura, há um certo tempo, para servir como um corredor para as áreas de garimpo ilegal entre Alto Alegre e Mucajaí, municípios que abrigam a Terra Indígena Yanomami. Nem mesmo a revogação da “lei estadual do garimpo” freou a sanha. Senão, vamos aos fatos.

Desde que o garimpo ilegal voltou a eclodir nas terras indígenas, a partir da eleição do presidente Jair Bolsonaro (PL), o governo estadual vem sendo pressionado a garantir infraestrutura terrestre naquela região que interliga Alto Alegre e Mucajaí. Afinal, grandes propriedades passaram a servir de ponto de apoio ao garimpo ilegal, além do surgimento nas vicinais de verdadeiras “corrutelas” (como os garimpeiros chamam os bares que também exploram a prostituição).

A pressão não demorou a surtir efeito. A obra de asfaltamento da RR-325, que estava paralisada, a partir de novembro de 2019 foi recomeçada pelo governo, que anunciou um trabalho de recuperação prioritária daquela rodovia, a qual se tornou uma “transgarimpeira”, ainda que houvesse outras áreas produtivas com suas estradas precisando de obras urgentes que os produtores pudessem escoar seus produtos agrícolas.  

Desta forma, a RR-325 foi uma das primeiras a receber serviço de manutenção em 100% de sua extensão, serviço este que incluíram 18 km de pavimentação totalmente nova, cujo valor inicial da obra licitada chegou a R$ 5,8 milhões, além de serviços de tapa buraco, sinalização horizontal e vertical, roçagem, entre outros trabalhos.

Aquela rodovia ainda foi privilegiada com cinco novas pontes de concreto, ao custo de R$ 7 milhões, com recursos de emendas parlamentares dos deputados estaduais. Isso mesmo. Até mesmo os deputados entraram nessa grande empreitada para dar todas as garantias de trafegabilidade para uma estrada usada, em sua maioria, por veículos que dão apoio ao garimpo ilegal.

Não foram quaisquer pontes licitadas para lá, a exemplo daquelas construídas ou reformada muitas vezes na base do improviso em outras estradas e vicinais, de madeira. O contrato para a “transgarimpeira” previu pontes de cimento de mão-dupla sobres os igarapés localizados nos Km 68, 72, 124, 131 e 134. E tudo isso sem muita propaganda governamental, como é de praxe na política.

Obviamente que existem pequenos produtores que se beneficiaram do asfaltamento da RR-325, além de pequenas vilas ao longo da rodovia. Mas naquela região predominam as grandes fazendas, algumas arrendadas ou mesmo envolvidas diretamente com ações de apoio ao garimpo ilegal, conforme vem apontando as investigações policiais.

Com a estrada pavimentada, as vicinais ao longo dessa rodovia se tornaram não apenas ponto de apoio ao garimpo ilegal em terras indígenas, mas também fomentou o surgimento de pistas clandestinas para pouso e decolagem de pequenas aeronaves, a exemplo da Vicinal 7 de Samaúma, em uma área muito próxima da RR-325, conforme relatam moradores da região.

“Entre as vicinais 2 e 5 de Samaúma, você fica impressionado com a quantidade de aeronaves sobrevoando a região. Tem ainda a Vicinal 9 também. Já em Campos Novos é a Vicinal 6, que é conhecida como Ajarani”, relatou uma servidora pública que atua na região e precisa viajar por essas localidades nos municípios de Mucajaí e Iracema, por força de sua profissão.

Então, a queda daquela pequena aeronave, na semana passada, é apenas resquício das atividades que ocorrem por lá, sob as vistas grossas das autoridades. Como uma lei estadual abrandou a fiscalização, impedindo a destruição de maquinários e permitindo a devolução a título de “fiel depositário”, ações de fiscalização passaram a ser inexistentes por parte das forças estaduais, fazendo com aquela região se tornasse um território livre.

*Colunista