Um pequeno passeio nos últimos 15 anos para refrescar nossas memórias
Jessé Souza*
A amnésia é a arma mais poderosa dos políticos para qualquer ocasião, especialmente a cada dois de eleição. Graças a ela são construídas narrativas de acordo com as conveniências de quem está no poder ou de quem o almeja. A situação de Roraima na última década e meia vem bem a calhar dentro desse contexto, em que as pessoas fazem questão de se esquecer de acordo com suas preferências eleitorais e conveniências partidárias. Aos fatos.
Embora o governo Suely Campos (2025 a 2018) reconhecidamente tenha sido o pior de todos, a ponto de nem chegar a concluir integralmente o mandato, encerrado em dezembro de 2018 por meio de uma intervenção federal. Ela havia recebido um Estado quebrado e, por conseguinte, entregou um Estado igualmente arrasado para o seu sucessor, o hoje governador Antonio Denarium (PP), que assumiu antes como interventor nomeado pelo então presidente Michel Temer (MDB).
Suely Campos havia recebido o governo com uma dívida que ultrapassava a casa dos R$2 bilhões, com 80% do orçamento comprometidos com dívidas e a folha de pagamento (jornal Estadão, 01.01.2015), em um cenário que já se apresentava como prenúncio de terra arrasada. O seu antecessor foi Chico Rodrigues (hoje senador pelo DEM), que ficou no cargo por menos de um ano em 2014 (04 de abril a 31 de dezembro), terminando o mandato cassado por irregularidades cometidas pela chapa nas eleições de 2010.
Chico Rodrigues havia desistido de disputar a reeleição para deputado federal PSB para ser vice na chapa de José de Anchieta Júnior (PSDB), já falecido, que venceu a eleição para o governo daquele ano. Ele se desincompatibilizou-se em abril de 2014, quando Chico foi empossado governador e cumpriu o mandato até o final, apesar da cassação. Ou seja, fez parte do governo responsável por acumular a dívida bilionária herdada por Suely Campos.
Eleito como senador mais votado em 2018, Chico Rodrigues protagonizou um dos fatos mais conhecidos da política atual, quando foi flagrado tentando ocultar dinheiro na cueca durante uma operação da Polícia Federal, no dia 14 de outubro de 2020 em investigação sobre desvio de recursos da Covid-19. O parlamentar havia se tornado político profissional desde a década de 1980. passou 20 anos consecutivos na Câmara dos Deputados. Ao assumir como senador, chegou a ser vice-líder do governo Bolsonaro até o escândalo da cueca.
Anchieta Junior (2007 a 2014), por sua vez, falecido em dezembro de 2018, herdou o governo a partir da morte do então governador Ottomar Pinto, herdando também as acusações do Ministério Público Eleitoral (MPE) por abuso de poder político e econômico, compra de votos, conduta vedada a agente público e fraude eleitoral nas eleições de 2006. Inocentado, em 2010 passou a ser acusado de irregularidades nas obras de ampliação de rede elétrica.
Reeleito para o segundo mandato, em 2011, Anchieta seguiu envolto em denúncias de irregularidades nas prestações de contas de campanha e acusações de compras de votos, que resultaram em sete pedidos de cassação. Em 11 de fevereiro do mesmo ano, teve seu mandato de governador cassado, mas se manteve no cargo. Em 2014, foi acusado de irregularidades na emissão de títulos definitivos de propriedades rurais e a falsificação de documentos de compra e venda destas propriedades.
A herdeira política de Anchieta foi sua ex-esposa, a então primeira-dama Shéridan de Oliveira, eleita deputada federal em 2014 e reeleita em 2018, com seus mandatos também recheados de denúncias e polêmicas, com acusações de compra de votos e uso indevido de aeronave do governo para transportar um funkeiro para uma festa particular. Essa trajetória encerra-se este ano, quando ela decidiu retirar sua candidatura para reeleição sob a justificativa de dar apoio ao atual marido nas eleições deste ano.
Por fim, o que há de comum entre todos esses personagens antecessores de Suely Campos, responsáveis por entregá-la um governo soçobrando, é que todos estavam no mesmo palanque nas eleições municipais passadas, cuja candidata a prefeita apoiada pelo governo era Shéridan. E todos seguem aliados políticos de alguma forma.
Logo, Suely não pode assumir esse ônus sozinha nos livros de História, embora não possa, também, fugir de suas grandes responsabilidades, pois seu governo terminou com duas operações da Polícia Federal, uma no sistema prisional e outra no transporte escolar, quando foram presos filho, dois ex-secretários e dois deputados recém-eleitos que seguem com seus mandatos sob liminar.
Então, todos esses fatos não podem cair na amnésia coletiva ou seletiva. Suely Campos não é culpada, sozinha, pelo buraco ao qual Roraima foi metido. Não mesmo. É só puxar no Google para refrescar a memória.
*Colunista