Notícias que vêm da fronteira Norte e a necessidade de se passar tudo a limpo
Jessé Souza*
A crítica situação do Município de Pacaraima pode ser resumida nas últimas notícias que vêm da fronteira com a Venezuela. Aquela cidade fronteiriça tem mais venezuelanos fora dos abrigos do que a Capital, o que provoca sérios problemas sociais, violência e ocupação desordenada, que por sua vez gera outras graves consequências na infraestrutura daquela localidade.
Porém, em vez de agir para resolver os problemas mais urgentes, a Prefeitura de Pacaraima decidiu colocar em prática a política do circo sem pão, ao realizar nos dois últimos dias do mês passado o Micaraima, uma espécie de carnaval fora de época, evento que se tornou tradicional em tempos passados, quando aquela cidade vivia de fartura, quando a cidade venezuelana de Santa Elena de Uairén era uma área de livre comércio disputada pelos brasileiros.
Hoje, são os venezuelanos que fogem do seu país, para escapar da fome e do desemprego, se alojando principalmente em Pacaraima, que passou da fartura para a penúria, com imigrantes ocupando abrigo, espaços e prédios públicos ou simplesmente morando ao relento e abrigos improvisados que não garantem condições mínimas de dignidade. São 2.055 estrangeiros desabrigados em Pacaraima contra 1.632 em Boa Vista.
O inchaço populacional devido à imigração desordenada provoca ainda invasões urbanas e ocupações irregulares próximas a áreas de proteção, com lançamento de lixo e dejeto em áreas que poluem o principal manancial que abastece a cidade e as comunidades indígenas com água potável. Em tempos de verão, falta água devido à seca, piorando o quadro já caótico.
Para completar esse preocupante cenário, a estrada de acesso àquele município, a BR-174, deteriorou-se ao longo dos últimos anos devido ao descaso com a manutenção por parte das autoridades, somado ao grande fluxo de carretas brasileiras que estão levando alimentos e outros produtos para abastecer a Venezuela, que contribuem sobremaneira para transformar o asfalto em imensas crateras e atoleiros.
Em vez de as autoridades municipais, em conjunto com as demais autoridades estaduais e federais, estarem preocupadas em atacar os sérios problemas a fim de garantir o mínimo de bem-estar àquela população, seguem os escândalos políticos, os quais acabaram sendo abafados momentaneamente pelo Micaraima no exato momento em que se decreta estado de calamidade por causa do inverno rigoroso.
Por causa da decretação de estado de calamidade, com aprovação da Assembleia Legislativa, 12 municípios do interior receberam um montante de quase R$70 milhões de recursos extras repassados pelo Governo do Estado, o que dá quase R$5 milhões para cada prefeito, entre eles o de Pacaraima. Por não prestar contas com o gasto desse recursos, o prefeito Juliano Torquato foi chamado a se explicar.
O Tribunal de Contas do Estado de Roraima (TCE-RR) aplicou medida cautelar ao prefeito de Pacaraima, solicitando a documentação para esclarecer a aplicação e execução do valor recebido, determinando prazo de 15 dias para que cumprisse a determinação, o que acabou não ocorrendo, mostrando o mínimo esforço para comprovar no que foram gastos os R$5 milhões que deveriam amenizar o sofrimento da população atingida pelas fortes chuvas, principalmente comunidades indígenas.
É importante destacar que o prefeito Juliano Torquato e o vice, Simeão Oliveira, foram cassados, em agosto de 2021, acusados de uma lista de irregularidades cometidas na campanha eleitoral de reeleição: distribuição de cestas básicas e brinde em datas festivas antes da pré-campanha 2020, bem como uso de bens e serviços públicos municipais para promoverem suas imagens. Mas desde lá seguem no cargo enquanto recorrem da decisão da Justiça Eleitoral.
Mas, bem antes disso, o prefeito foi alvo de uma operação da Polícia Federal, em fevereiro do mesmo ano, que investiga fraudes e desvios em contratações no valor de R$10 milhões, inclusive com recursos destinados ao enfrentamento da Covid-19. Além da suspeita em 20 licitações entre os anos de 2019 e 2020, existem indícios de superfaturamento e do uso de máquinas e servidores da prefeitura por empresa para prestação de serviços para os quais teria sido contratada.
Esse é o cenário do município fronteiriço, arrasado pela imigração desordenada e inviabilizado pelos esquemas de corrupção, a ponto de a Prefeitura sequer conseguir apoio político para resolver as questões mais urgentes, como a da BR-174, única via de acesso àquela localidade. Daí a necessidade de os órgãos de controle agirem com todo o rigor para fiscalizar os gastos públicos, especialmente a verba repassada pelo governo a título de calamidade pública.
Essa fiscalização também precisa se estender aos demais municípios, onde a população e famílias de pequenos produtores pedem socorro devido à situação crítica de estradas e pontes, enquanto os prefeitos não explicam o que fizeram com os R$5 milhões repassados pelo governo estadual às vésperas de começar a campanha eleitoral. É preciso dar um basta nisso tudo.
*Colunista